A porta: o retorno
Não tinha me recuperado ainda da patente da porta para banco, quando seu Antenor me telefonou.
— Preciso conversar com o senhor, pois tenho outra invenção — disse o homem de modo seco, como era seu costume.
Ele morava no interior e vinha à capital somente para conversar comigo. Tentei convencê-lo a me adiantar do que se tratava, mas Antenor queria me ver. Não adiantava dissuadi-lo, pois o assunto era da mais alta gravidade. De certa maneira, gravidade tinha tudo a ver com o assunto.
— Está bem! Quando o senhor pode vir — disse para ele.
— Já estou na rodoviária! — sentenciou seu Antenor. — Daqui a pouco estou aí.
Pensei em fugir, mas não seria educado e, além disso, o homem rasgava uma lista telefônica com as mãos, cheirava o fogo e botou para correr uma onça só no berro. Ponderei isso e achei melhor recebê-lo.
— Cometi um engano — ponderou Antenor, logo que entrou no escritório.
— “Fazer essa invenção maluca” — pensei eu, mas disse calmamente:
— O senhor podia ser mais claro? — indaguei e fiquei na espera.
— Ocorreu-me uma situação que eu não tinha previsto — disse Antenor.
— Que tipo de situação o senhor está se referindo? — perguntei.
Infelizmente, a essa altura eu já estava curioso para descobrir qual seria essa outra invenção.
— Um bandido que já tenha entrado na agência bancária, onde uma das minhas portas está instalada, sabe da existência do alçapão embaixo dela — comentou o inventor.
— Sim! E daí que o assaltante saiba da existência dessa armadilha, mais um motivo para não levar o assalto adiante — conclui.
— Mas ele pode evitar cair no alçapão.
— Como assim? — perguntei.
Seu Antenor foi logo me explicando a situação que ele tinha previsto:
— O bandido entra na agência pela porta giratória. Aciona o alarme e a porta tranca. Se o assaltante se negar a esvaziar os bolsos e, conseqüentemente, tiver de entregar a arma, sabe que o guarda vai abrir o alçapão e ele acabará por cair nele.
— Ah! E aí?
— O vagabundo leva um pedaço de madeira e, antes do guarda abrir o alçapão, coloca a madeira sobre a abertura no chão. Assim, vai ficar suspenso no buraco sem cair nele.
Não acreditava em meus ouvidos, mas:
— Seu Antenor, como é que alguém vai entrar numa agência bancária com um pedaço de pão na mão. Ele nem passa da porta — comentei.
— Ele pode levar escondido no casaco — falou seu Antenor com a reposta pronta na língua.
Vi que não ia adiantar nada. Perguntei então:
— E qual seria a solução para esse problema?
— Quando o guarda ver que o bandido está suspenso sobre o alçapão, entra em ação a outra parte da minha invenção.
— Qual é essa outra parte seu Antenor? — indaguei muito curioso.
— Junto à porta giratória tem uma abertura que dá acesso à parte onde está preso o ladrão sobre o alçapão. O guarda usa um garfo de metal para empurrar o bandido para dentro do buraco.
— Não entendi! Com assim, um garfo?
— É, tem um garfo, como aqueles de mexer com feno. Aqueles de três dentes. O guarda usa-o para empurrar o bandido miserável para dentro da cela.
Juro que o homem me disse um troço desses. Somente Dante Alighieri na sua visão do inferno pensou numa tortura dessas. O guarda com um olhar de safado garfando o meliante pelas costas. O vagabundo cai no buraco empurrado pelo garfo.
— Mas, mas, seu Antenor! Que doideira é essa. Não tem cabimento fazer isso.
— Como que não! — exclamou o inventor com ar de interrogação. — O cara é bandido mesmo, quem é que vai se importar se ele se estrepar.
A essa altura eu estava sem ação. Não sabia nem o que dizer para o homem.
— Nenhuma agência bancária vai instalar uma porta com um sistema de tortura seu Antenor — ainda tentei ponderar com ele.
— Quanto a isso você não se preocupe que eu dou um jeito. Conheço um pessoal dos bancos que vão me ajudar. O que eu quero saber é se tem alguma proibição em fazer à patente? — perguntou o inventor.
— Bem! Não, quer dizer: não sei! Vou ter de estudar o caso.
— Verifica isso para mim! — exclamou ele — e vamos fazer à patente.
* * *
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