INTRODUÇÃO


Tudo começou lá pelos idos de 1989, onde eu lecionava matemática em uma escola de 2° grau. Era uma sexta-feira e os dois últimos períodos da noite sempre eram de matemática, física ou português, pois se colocassem outras disciplinas não ficava ninguém. Numa das aulas, em um intervalo, um aluno meu indagou-me sobre o que eu sabia de patentes. Prontamente respondi o que se aprendia na engenharia: o básico do assunto. O aluno me disse: “serve”. Ele trabalhava como vendedor em uma empresa do ramo, captando clientes que necessitassem do serviço em marcas e patentes. Convidou-me para conhecer a empresa e conversando com seu titular acabei aceitando o trabalho de redator em patentes. Gostei do assunto e dediquei-me: cursos, legislação, técnicas de redação e outras necessidades. Quando terminei e engenharia, eu e minha futura esposa, resolvemos montar uma empresa especializada no assunto. Ela ficaria com o administrativo (para o bem de todos, pois eu não sei nem pedir cheque em banco) e eu ficaria com a parte de patentes. Depois de duas décadas nesse trabalho e milhares de patentes redigidas, veio a ideia de selecionar as mais originais e publicá-las numa espécie de anedotário. O objetivo é mostrar a grande criatividade do brasileiro, que não deixa desejar a nenhum outro povo, além de divulgar o trabalho de marcas e patentes de um modo menos sisudo. Todas as patentes que foram citadas nesses contos já estão em domínio público. Os nomes dos inventores foram mudados para garantir privacidade e o meu pescoço. Minha esposa não quis aparecer e me ameaçou com direitos autorais caso divulgasse seu nome sem autorização.
Espero que apreciem essas pequenas histórias.

Escolha o assunto ao lado, em "Marcadores" e, divirta-se!

segunda-feira, 31 de maio de 2010

DESCARTÉVEL

É descartável!

— É que se faz patente? — perguntou o homem enfaticamente.

— Se o senhor esta se referindo à proteção de produtos, sim — respondi à pergunta.

Então preciso que alguém do escritório venha até aqui fazer uma visita — disse o sujeito.

Apesar do clima estar mudando, por conta do tal aquecimento global, no sul ainda faz inverno dos brabos. Era um daqueles dias, no dizer do gaúcho, de renguear cusco, frio mesmo. O vento soprava “fininho”, de cortar até os mais valentes. Num dia desses é ruim ter de sair para a rua, mas: fazer o quê. O sujeito não podia me dizer o que era. Queria me mostrar pessoalmente sua invenção.

— O senhor fuma? — perguntou-me.

Nunca fumei.

— Faz muito bem.

Apesar de todas as campanhas contra o fumo, o número de fumantes é muito grande — ponderou Gomes. As doenças provocadas pelo cigarro e assemelhados causam grandes prejuízos à saúde pública, retiram do mercado de trabalho homens e mulheres que adoecem por causa do fumo...

E se foi o Gomes discorrendo um rosário de coisas ruins que o fumo tem. E eu concordando e tentando entender o que essa matéria batida tinha a ver com a invenção dele.

— E a sujeira que causa o cigarro — continuava — tem as baganas, a cinza.

Ofereceu-me café. Aceitei. E continuou a falar mal do cigarro.

— A fumaça, o cheiro ruim que fica. E quando botam as baganas no lixinho da cozinha. No dia seguintevontade de botar o lixinho fora. Nos restaurantes, aqueles cinzeiros nojentos, nos hotéis etc.

Pelo que estou entendendo, você é um grande adversário do cigarro. foi fumante? — perguntei.

Durante muitos anos — respondeu.

Normalmente — ponderei com ele — os ex-fumantes são muito menos tolerantes com o cigarro do que quem nunca fumou.

E Gomes continuou a falar mal do cigarro e dos fumantes que não param.

— Está bem Gomes — resolvi atalhar a conversa, pois até esse ponto eu não tinha nenhuma idéia do que ele tinha inventado. E estava ficando pra de chata essa conversa toda. — Diga o que você inventou?

Um cinzeiro!

Fazia um tempão que eu estava ouvindo essa lengalenga. O lugar onde estávamos conversando era um depósito de bebidas. Era meio aberto, não tinha como se esquentar. O vento zanzava de um lado ao outro. Eu estava gelado e o cara tinha inventado um cinzeiro.

Como assim!

Tive vontade de me levantar e ir embora para casa me esquentar, mas, que estava ali:

Um cinzeiro? — perguntei.

— É! Um cinzeiro — disse Gomes com ênfase. Mas não é um cinzeiro comum.

Que não é um cinzeiro comum eu posso deduzir, pois caso contrário você não teria me chamado — concordei com o homem. E o que ele tem de especial? — perguntei.

— É um cinzeiro que acompanha a carteira de cigarros.

Além do frio de lascar, comecei a sentir os “arrepios da morte”, pois com uma resposta dessas...

Não entendi!

— A ideia é genial — continuou Gomes. Quando alguém compra uma carteira de cigarros vem junto um cinzeiro. Quando ele fuma em um lugar que não tem cinzeiro convencional, o fumante usa o cinzeiro descartável e joga-o fora juntamente com o cigarro.

Mas não vai ficar muito caro um maço de cigarros, mais o preço de um cinzeiro?

Que nada! — respondeu Gomes, o cinzeiro e de papel dobrado e vem enfiado dentro da carteira.

Se eu pudesse ver a minha cara.

Como assim?

— É um funil de papel dobrado e enfiado na lateral da carteira.

Tive vontade de sair gritando.

Você quer patentear um papel dobrado dentro de uma carteira de cigarros?

— É!

Pior de tudo é o café que estava frio e muito doce.

* * *

quinta-feira, 27 de maio de 2010

A PORTA II - O RETORNO

A porta: o retorno

Não tinha me recuperado ainda da patente da porta para banco, quando seu Antenor me telefonou.

Preciso conversar com o senhor, pois tenho outra invenção — disse o homem de modo seco, como era seu costume.

Ele morava no interior e vinha à capital somente para conversar comigo. Tentei convencê-lo a me adiantar do que se tratava, mas Antenor queria me ver. Não adiantava dissuadi-lo, pois o assunto era da mais alta gravidade. De certa maneira, gravidade tinha tudo a ver com o assunto.

— Está bem! Quando o senhor pode vir — disse para ele.

estou na rodoviária! — sentenciou seu Antenor. — Daqui a pouco estou .

Pensei em fugir, mas não seria educado e, além disso, o homem rasgava uma lista telefônica com as mãos, cheirava o fogo e botou para correr uma onça no berro. Ponderei isso e achei melhor recebê-lo.

— Cometi um engano — ponderou Antenor, logo que entrou no escritório.

— “Fazer essa invenção maluca” — pensei eu, mas disse calmamente:

— O senhor podia ser mais claro? — indaguei e fiquei na espera.

— Ocorreu-me uma situação que eu não tinha previsto — disse Antenor.

Que tipo de situação o senhor está se referindo? — perguntei.

Infelizmente, a essa altura eu estava curioso para descobrir qual seria essa outra invenção.

Um bandido que tenha entrado na agência bancária, onde uma das minhas portas está instalada, sabe da existência do alçapão embaixo dela — comentou o inventor.

Sim! E daí que o assaltante saiba da existência dessa armadilha, mais um motivo para não levar o assalto adiante — conclui.

Mas ele pode evitar cair no alçapão.

Como assim? — perguntei.

Seu Antenor foi logo me explicando a situação que ele tinha previsto:

— O bandido entra na agência pela porta giratória. Aciona o alarme e a porta tranca. Se o assaltante se negar a esvaziar os bolsos e, conseqüentemente, tiver de entregar a arma, sabe que o guarda vai abrir o alçapão e ele acabará por cair nele.

— Ah! E ?

— O vagabundo leva um pedaço de madeira e, antes do guarda abrir o alçapão, coloca a madeira sobre a abertura no chão. Assim, vai ficar suspenso no buraco sem cair nele.

Não acreditava em meus ouvidos, mas:

Seu Antenor, como é que alguém vai entrar numa agência bancária com um pedaço de pão na mão. Ele nem passa da porta — comentei.

Ele pode levar escondido no casaco — falou seu Antenor com a reposta pronta na língua.

Vi que não ia adiantar nada. Perguntei então:

— E qual seria a solução para esse problema?

Quando o guarda ver que o bandido está suspenso sobre o alçapão, entra em ação a outra parte da minha invenção.

Qual é essa outra parte seu Antenor? — indaguei muito curioso.

Junto à porta giratória tem uma abertura queacesso à parte onde está preso o ladrão sobre o alçapão. O guarda usa um garfo de metal para empurrar o bandido para dentro do buraco.

Não entendi! Com assim, um garfo?

— É, tem um garfo, como aqueles de mexer com feno. Aqueles de três dentes. O guarda usa-o para empurrar o bandido miserável para dentro da cela.

Juro que o homem me disse um troço desses. Somente Dante Alighieri na sua visão do inferno pensou numa tortura dessas. O guarda com um olhar de safado garfando o meliante pelas costas. O vagabundo cai no buraco empurrado pelo garfo.

Mas, mas, seu Antenor! Que doideira é essa. Não tem cabimento fazer isso.

Como que não! — exclamou o inventor com ar de interrogação. — O cara é bandido mesmo, quem é que vai se importar se ele se estrepar.

A essa altura eu estava sem ação. Não sabia nem o que dizer para o homem.

— Nenhuma agência bancária vai instalar uma porta com um sistema de tortura seu Antenor — ainda tentei ponderar com ele.

Quanto a isso você não se preocupe que eu dou um jeito. Conheço um pessoal dos bancos que vão me ajudar. O que eu quero saber é se tem alguma proibição em fazer à patente? — perguntou o inventor.

Bem! Não, quer dizer: não sei! Vou ter de estudar o caso.

— Verifica isso para mim! — exclamou ele — e vamos fazer à patente.

* * *