INTRODUÇÃO


Tudo começou lá pelos idos de 1989, onde eu lecionava matemática em uma escola de 2° grau. Era uma sexta-feira e os dois últimos períodos da noite sempre eram de matemática, física ou português, pois se colocassem outras disciplinas não ficava ninguém. Numa das aulas, em um intervalo, um aluno meu indagou-me sobre o que eu sabia de patentes. Prontamente respondi o que se aprendia na engenharia: o básico do assunto. O aluno me disse: “serve”. Ele trabalhava como vendedor em uma empresa do ramo, captando clientes que necessitassem do serviço em marcas e patentes. Convidou-me para conhecer a empresa e conversando com seu titular acabei aceitando o trabalho de redator em patentes. Gostei do assunto e dediquei-me: cursos, legislação, técnicas de redação e outras necessidades. Quando terminei e engenharia, eu e minha futura esposa, resolvemos montar uma empresa especializada no assunto. Ela ficaria com o administrativo (para o bem de todos, pois eu não sei nem pedir cheque em banco) e eu ficaria com a parte de patentes. Depois de duas décadas nesse trabalho e milhares de patentes redigidas, veio a ideia de selecionar as mais originais e publicá-las numa espécie de anedotário. O objetivo é mostrar a grande criatividade do brasileiro, que não deixa desejar a nenhum outro povo, além de divulgar o trabalho de marcas e patentes de um modo menos sisudo. Todas as patentes que foram citadas nesses contos já estão em domínio público. Os nomes dos inventores foram mudados para garantir privacidade e o meu pescoço. Minha esposa não quis aparecer e me ameaçou com direitos autorais caso divulgasse seu nome sem autorização.
Espero que apreciem essas pequenas histórias.

Escolha o assunto ao lado, em "Marcadores" e, divirta-se!

segunda-feira, 12 de abril de 2010

O ACENDEDOR

O acendedor portátil

— Meu marido era uma desgraça, não fazia nada em casa, nem trabalhava o vagabundo — foi me dizendo a moça.
Ela tinha se separado do cara fazia poucos meses, mas como falava mal dele. O sujeito tinha que ter alguma qualidade, pois ela ainda não havia esquecido do marido.
— Sei! — disse-lhe, pois não tinha mais nada o que falar.
E ela continuou por mais algum tempo falando do cara. Não recordo se ela chegou a dizer o seu nome, mas se disse, não me lembro.
— No entanto, uma coisa ele sabia fazer muito bem: o churrasco — disse Antônia. Desde a escolha da carne, o corte certo, a salada de batata, salsichão e outros aperitivos. Até a farinha de mandioca que ele comprava pronta era mais saborosa.
Enquanto ela ia falando, parecia que salivava. Os olhos brilhavam.
— Aí! — continuou Antônia, fui brindada com um chapéu de vaca.
— Hum! — murmurei. Pensei em dizer para ela que propusesse um acordo com o gajo. Sei lá, o churrasco semanal ele tinha de continuar fazendo que ela não entrava com a separação litigiosa. Botava tudo no papel, protocolava em três vias e averbava o contrato no INPI. Mas como não sou psicanalista e nem atendo à vara de família: apenas disse:
— Essas coisas acontecem!
E lá se foi a Antônia falando mal do sem-vergonha. Putz! Nem conheço o sujeito e já estou solidarizado com a moça — pensei. Pudera, depois de toda essa xingação. Foi aí que perguntei:
— Tudo bem! — mas me diga uma coisa: onde é que às patentes se encaixam nessa nossa conversa?
— Pois é! — exclamou a moça. Sou doidinha por um churrasco, mas veja como a vida é ingrata — continuou. Arranjei um namorado que é uma excelente pessoa, mas o churrasco dele não presta. Outro dia convidei meu pai, mãe e uns amigos para comer lá em casa. Ele ficou encarregado de fazer o almoço. A carne ficou torrada, não bateu o churrasco e a salada de batata eu botei fora: dava nojo só de olhar.
— “Viu só”! “A opção de fazer um contrato não era tão ruim assim” — pensei.
— Como não tinha mais quem fizesse um bom churrasco para mim — disse a moça. Resolvi aprender como fazê-lo.
Quando nossa conversa chegou nesse ponto, gelei. Pensei que vinha um método de fazer um churrasco, mas: estava enganado.
— A coisa que eu mais tenho medo é de fazer o fogo. Quanta gente se queima ao jogar álcool sobre as brasas. Aí vem aquela labareda, pega fogo na embalagem com o álcool e tem-se um acidente horrível.
— É! Tem que ter cuidado mesmo — comentei.
Eu já estava começando a ficar de saco cheio. Fazia uns quarenta minutos que eu tava de prosa com a moça e até agora nada de patente.
— Foi pensando nisso que eu criei um recipiente para acender o fogo na churrasqueira — disse.
Tive vontade de bater palmas. Finalmente, eu ia saber o que ela tinha inventado, pois de resto eu já sabia de tudo: tipo de roupa que ela gostava, livros, cinema, comida preferida (churrasco), motel que ela ia e cor das calcinhas (isso é mentira) etc.
— Trouxe um protótipo. Não repare que não está bem acabado.
— É por isso que se chama protótipo — brinquei.
A moça puxou de dentro de uma sacola a invenção. Sacanagem comigo: eu não merecia isso. Era uma latinha de ervilha com uma alça soldada e com diversos furos da metade para cima.
— ? — Essa foi a minha expressão.
— Depois vai ser fabricada em aço — disse. A gente pega o recipiente, coloca dentro da churrasqueira, ajeita o carvão em volta e completa com álcool até começarem os furos. Aí basta acender.
— “Que tristeza” — pensei. “Depois de tanto enrolação”. Antônia estava tão animada com sua latinha de ervilha que fiquei com pena de dizer que isso era muito comum, mas fazer o quê!
* * *