O acendedor portátil
— Meu marido era uma desgraça, não fazia nada em casa, nem trabalhava o vagabundo — foi me dizendo a moça.
Ela tinha se separado do cara fazia poucos meses, mas como falava mal dele. O sujeito tinha que ter alguma qualidade, pois ela ainda não havia esquecido do marido.
— Sei! — disse-lhe, pois não tinha mais nada o que falar.
E ela continuou por mais algum tempo falando do cara. Não recordo se ela chegou a dizer o seu nome, mas se disse, não me lembro.
— No entanto, uma coisa ele sabia fazer muito bem: o churrasco — disse Antônia. Desde a escolha da carne, o corte certo, a salada de batata, salsichão e outros aperitivos. Até a farinha de mandioca que ele comprava pronta era mais saborosa.
Enquanto ela ia falando, parecia que salivava. Os olhos brilhavam.
— Aí! — continuou Antônia, fui brindada com um chapéu de vaca.
— Hum! — murmurei. Pensei em dizer para ela que propusesse um acordo com o gajo. Sei lá, o churrasco semanal ele tinha de continuar fazendo que ela não entrava com a separação litigiosa. Botava tudo no papel, protocolava em três vias e averbava o contrato no INPI. Mas como não sou psicanalista e nem atendo à vara de família: apenas disse:
— Essas coisas acontecem!
E lá se foi a Antônia falando mal do sem-vergonha. Putz! Nem conheço o sujeito e já estou solidarizado com a moça — pensei. Pudera, depois de toda essa xingação. Foi aí que perguntei:
— Tudo bem! — mas me diga uma coisa: onde é que às patentes se encaixam nessa nossa conversa?
— Pois é! — exclamou a moça. Sou doidinha por um churrasco, mas veja como a vida é ingrata — continuou. Arranjei um namorado que é uma excelente pessoa, mas o churrasco dele não presta. Outro dia convidei meu pai, mãe e uns amigos para comer lá em casa. Ele ficou encarregado de fazer o almoço. A carne ficou torrada, não bateu o churrasco e a salada de batata eu botei fora: dava nojo só de olhar.
— “Viu só”! “A opção de fazer um contrato não era tão ruim assim” — pensei.
— Como não tinha mais quem fizesse um bom churrasco para mim — disse a moça. Resolvi aprender como fazê-lo.
Quando nossa conversa chegou nesse ponto, gelei. Pensei que vinha um método de fazer um churrasco, mas: estava enganado.
— A coisa que eu mais tenho medo é de fazer o fogo. Quanta gente se queima ao jogar álcool sobre as brasas. Aí vem aquela labareda, pega fogo na embalagem com o álcool e tem-se um acidente horrível.
— É! Tem que ter cuidado mesmo — comentei.
Eu já estava começando a ficar de saco cheio. Fazia uns quarenta minutos que eu tava de prosa com a moça e até agora nada de patente.
— Foi pensando nisso que eu criei um recipiente para acender o fogo na churrasqueira — disse.
Tive vontade de bater palmas. Finalmente, eu ia saber o que ela tinha inventado, pois de resto eu já sabia de tudo: tipo de roupa que ela gostava, livros, cinema, comida preferida (churrasco), motel que ela ia e cor das calcinhas (isso é mentira) etc.
— Trouxe um protótipo. Não repare que não está bem acabado.
— É por isso que se chama protótipo — brinquei.
A moça puxou de dentro de uma sacola a invenção. Sacanagem comigo: eu não merecia isso. Era uma latinha de ervilha com uma alça soldada e com diversos furos da metade para cima.
— ? — Essa foi a minha expressão.
— Depois vai ser fabricada em aço — disse. A gente pega o recipiente, coloca dentro da churrasqueira, ajeita o carvão em volta e completa com álcool até começarem os furos. Aí basta acender.
— “Que tristeza” — pensei. “Depois de tanto enrolação”. Antônia estava tão animada com sua latinha de ervilha que fiquei com pena de dizer que isso era muito comum, mas fazer o quê!
* * *
Nada será como antes
Há 9 anos
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