O especialista
— Por favor, entre engenheiro.
O lugar era bem aconchegante. Revelava a veia mística do Me. Almaj Kayan. Certamente esse não era seu nome, mas não quis entrar nesse assunto. Certas particularidades é melhor não saber.
— Aceitas um chá? — perguntou-me Kayan.
— Aceito. Fiquei sabendo depois que era de uma flor que nascia no Himalaia e que só podia ser colhida em certa lua. Acho que era isso.
— No que posso lhe ajudar? — perguntei para o homem. Afinal de contas ele não quis me revelar qual era a sua invenção. Tinha alguma coisa com momento auspicioso.
— Tive uma epifania peritanática.
Olhei para o sujeito sem saber o que fazer. Tive receio de perguntar se aquilo era uma doença grave, se era contagiosa etc. Fiquei sabendo, ato contínuo, que não era nada disso. O homem adivinhou pela minha cara de tonto que em não sabia do que ele estava falando e foi logo explicando.
— Uma epifania peritanática é uma experiência de quase morte — começou explicando Me. Kayan. Há tempos atrás tive um acidente de carro. Fiquei clinicamente morto por três minutos. Uma eternidade nesses casos. Senti-me flutuando fora do corpo, olhando tudo que acontecia lá de cima. Não tive medo, pois estavam sempre presentes comigo seres com asas, angelicais. Depois descobri que eram fadas.
E eu tomando chá com os olhos arregalados, mais um pouco me escondia dentro da xícara.
Me. Kayan continuou:
— Depois, os paramédicos que me atenderam conseguiram me reviver, se é que posso chamar assim. Essa experiência mudou completamente a minha vida. Principalmente o contato com as fadas. Tanto que comecei a estudar o assunto e me tornei um fadólogo.
— Quem!? O quê!? — Por favor seu Kayan, não sei o que quer dizer isso!
— Um fadólogo é um especialista sobre a forma e a cor exata das asas das fadas.
“Essa pesou”! — foi o que pensei depois de ouvir um trem desses. Afundei-me na poltrona sem ter a menor noção do que fazer. Olhei para o Me. Kayan e meu eu perguntou para mim mesmo:
— “E aí especialista”! “O que tu vais fazer”?
Mandei esse chato, que de certa maneira sou eu mesmo, calar a boca (ele não tem boca, mas fala) e perguntei:
— Dr. Almaj Kayan! Trabalho com propriedade industrial, patentes, essas coisas, e não consigo entender o que esses acontecimentos todos têm a ver comigo.
— Doutor não. Mestre — corrigiu-me. Já vou chegar a esse ponto — continuou explicando. Depois de muito estudar, consegui desenvolver um método matemático para determinar com precisão o tamanho das asas das fadas. Exatamente esse método que eu quero proteger, e tirou de dentro de uma pasta um alfarrábio cheio de cálculos.
Pois é caro leitor! Conclui que o sujeito tava dando cogumelo alucinógeno para as vacas e depois fumava a bosta seca. Mas graças à longa experiência desse humilde narrador, o que o Me. Kayan buscava era proteger um método matemático. “Estou salvo”! — foi o que pensei e fui logo explicando para ele:
— Me. Kayan! A nossa legislação de propriedade industrial não admite proteção para métodos matemáticos, de comércio e essas coisas, artigo 10, ta lá no livro.
— Não!?
Senti toda a frustração desse não, mas para mim era uma tábua de salvação e uma maneira de eu escapulir dessa doideira toda.
— Pois é! — disse. Não temos como fazer uma patente desse seu trabalho.
— Mesmo assim, deixe-me explicar bem o meu trabalho — continuou Me. Kayan orgulhoso, abrindo o manuscrito e me mostrando todos os seus cálculos.
Eu fiz matemática na faculdade, mas o que o homem tinha feito era de causar admiração em qualquer professor de cálculo. Não entendi porcaria nenhuma. O Me. tinha calculado com precisão que uma fada de 15 cm de altura tinha que ter asas de 7 cm para poder voar. Olhei para aquele monte de números e menti deslavadamente que concordava com ele. Sabe com é: louco é melhor não contrariar.
— Interessante o seu trabalho seu Kayan, mas não posso fazer nada. Aliás, tenho outra reunião agora. Já estou atrasado.
— Fica mais um pouco engenheiro — ponderou meu anfitrião. Quero lhe mostrar um trabalho sobre velocidade de vôo delas.
— Pena! Não vai dar. Tenho de ir. É a outra reunião. Fica para a próxima vez.
Saí dali a passos rápidos. Depois de uma olhadela para trás, pus-me a correr com medo de que o homem me seguisse. Sei lá.
P.S.
Para maiores esclarecimentos sobre epifanias peritanáticas consultar “O Cérebro de Broca” – Carl Sagan.
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