INTRODUÇÃO


Tudo começou lá pelos idos de 1989, onde eu lecionava matemática em uma escola de 2° grau. Era uma sexta-feira e os dois últimos períodos da noite sempre eram de matemática, física ou português, pois se colocassem outras disciplinas não ficava ninguém. Numa das aulas, em um intervalo, um aluno meu indagou-me sobre o que eu sabia de patentes. Prontamente respondi o que se aprendia na engenharia: o básico do assunto. O aluno me disse: “serve”. Ele trabalhava como vendedor em uma empresa do ramo, captando clientes que necessitassem do serviço em marcas e patentes. Convidou-me para conhecer a empresa e conversando com seu titular acabei aceitando o trabalho de redator em patentes. Gostei do assunto e dediquei-me: cursos, legislação, técnicas de redação e outras necessidades. Quando terminei e engenharia, eu e minha futura esposa, resolvemos montar uma empresa especializada no assunto. Ela ficaria com o administrativo (para o bem de todos, pois eu não sei nem pedir cheque em banco) e eu ficaria com a parte de patentes. Depois de duas décadas nesse trabalho e milhares de patentes redigidas, veio a ideia de selecionar as mais originais e publicá-las numa espécie de anedotário. O objetivo é mostrar a grande criatividade do brasileiro, que não deixa desejar a nenhum outro povo, além de divulgar o trabalho de marcas e patentes de um modo menos sisudo. Todas as patentes que foram citadas nesses contos já estão em domínio público. Os nomes dos inventores foram mudados para garantir privacidade e o meu pescoço. Minha esposa não quis aparecer e me ameaçou com direitos autorais caso divulgasse seu nome sem autorização.
Espero que apreciem essas pequenas histórias.

Escolha o assunto ao lado, em "Marcadores" e, divirta-se!

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

O VIBRADOR

O vibrador

— Preciso falar contigo — disse o Paulo.
— Fala!
— Não! Quero te mostrar um produto.
— No mínimo é sacanagem.
— Não é não! O negócio é sério.
— Então ta! Aparece à tarde, pois vou ficar o dia inteiro no escritório. Ah! Não adianta chegar logo depois do almoço. Tu sabes que vou estar naquele cochilo.
Paulo chegou lá pelas três horas trazendo uma sacola à mão. Puxou lá de dentro um cano de PVC de 40 mm de diâmetro e uns dois palmos de comprimento, tinha um fio que saia do cano que era ligado a uma fonte.
— Segura isso — disse o Paulo me entregando o cilindro.
— O que é isso?
— Um vibrador!
— Eu sabia que de ti só podia vir sacanagem.
— Ele não me respondeu nada, somente deu um sorriso de lado.
O Paulo ligou aquele troço e o cano começou a vibrar. Não era uma mexidinha à toa, parecia uma britadeira. Tremia tanto que segurando o vibrador por um tempo e depois soltando-o a mão ficava meio dormente.
­— Tu és louco cara! Esse negócio aqui vai escangalhar que usá-lo.
— Mas não vai assim! — disse o Paulo. Tem uma capa por fora para proteger o aparelho.
Fiquei só olhando para ele.
— Cara! Que diâmetro vai ter esse vibrador com mais uma capa por fora?
O Paulo junto os polegares com os indicadores das mãos e mais ou menos mostrou que diâmetro ficaria o dito cujo.
— Paulo! Tu não és normal. Quem é que vai usar uma coisa dessas. Além disso, tu sabes que esse tipo de produto não se pode patentear, pois vai contra a moral e os bons costumes.
Ele nem me deu bola e puxou de dentro da sacola outro vibrador igual ao primeiro.
— Segura esse aqui também. Deixa-me ligar os dois juntos a esse controlador.
Depois de feitas as devidas ligações, o Paulo podia acionar cada um dos vibradores em seqüência, formando uma onda, podiam vibrar cada um de um jeito diferente etc.
— Isso aqui agora! Para que é. Grupal?
— Espera um pouco que tem mais uma coisinha.
— Tem mais!
O Paulo pegou de dentro da sacola uma almofada feita de espuma bem firme coberta com uma capa plástica e contendo um fecho zíper.
— Para que serve isso?
— Tu já vais ver.
Ele pegou os dois vibradores e inseriu dentro da espuma e fechou a almofada com o zíper. Senta nela que eu vou ligá-la.
— Agora gostei! Finalmente um trabalho sério.
Depois de tanta expectativa tive de experimentar o vibrador.
— E aí? O que você acha? — perguntou o Paulo.
— Cara! Isso deixa a bunda formigando, mas dá para fazer patente.
* * *

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

ANTIPARASITAS

O dispositivo antiparasitas

— É possível de se patentear um objeto de uso comum? — perguntou a queima roupa o sujeito do outro lado da linha.
— Depende? — respondi à pergunta.
— Depende de quê?
— Você fez alguma melhoria nesse objeto?
— Fiz sim! — respondeu. O produto vai eliminar um grande problema de saúde, principalmente entre os adolescentes.
— Você pode me dizer qual melhoria?...Desculpe-me, começamos a conversar e não nos apresentamos: meu nome é Felippe e o seu?
— Antonelo.
— Pois bem Antonelo, estávamos conversando e eu não sei que produto é e qual a melhoria que você fez.
— É um dispositivo para eliminar parasitas e a melhoria propicia eliminar essa infestação de modo muito mais rápido.
— Isso é muito bom! — enfatizei, mas que tipo de objeto estamos falando?
— Ah! — exclamou. É um dispositivo catador.
— Catador do quê
— De parasitas.
Com essa resposta já deu pra sentir que tinha em mãos uma grande invenção, pois, normalmente, quando o inventor começa com rodeios o negócio é dos bons.
— Antonelo! — exclamei e já engatei uma pergunta: você pode ou não me dizer o que é essa invenção? Eu não tenho como te ajudar se não souber o que é.
— É um pente fino! — disse exultante o inventor.
Afundei-me na cadeira e fiquei uns segundos em silêncio. Isso é importante às vezes para acolherar as idéias.
— Mas Antonelo, minha avó já usava esse tipo de pente para caçar os piolhos da molecada — respondi ao inventor. E nisso já se vão uns cinquenta anos.
— Sei disso! — respondeu o inventor — mas não se trata de piolho de cabeça.
— Você está pensando em pentear chatos? — perguntei para ele. Podia começar com você mesmo (essa parte eu só pensei).
— É.
— Tchê! — exclamei. Não sou médico, mas o pente fino que você usa na cabeça pode ser usado para eliminar o chato também. Pega um pano branco e fica passando o tempo penteando...coloca pro lado, penteia, coloca pro outro, penteia, e assim vai. Não precisa patente para isso, já está em domínio público. Mas no início de nossa conversa você disse que tinha feito uma melhoria no pente. Qual foi? — perguntei ao Antonelo.
— No pente que eu inventei tem um espaço retangular para colocar o nome.
— Nome? Nome do quê? — perguntei.
— Nome do usuário do pente — respondeu o inventor.
— Mas para que você vai querer colocar o seu nome em um pente para catar piolhos?
— Para ninguém mais usar o pente, além do dono é claro, isso diminui a infestação.
Com uma lógica dessas não há argumentação.
— Isso dá ou não patente? — perguntou Antonelo.
* * *

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Marília

V

Marília.

Essa noite tive um sonho de sonhador (plágio do Raulzito, mas creio que o Maluco Beleza não iria se importar). Pois bem, em meu sonho acordei e fiquei uns instantes observando se estava vivo ou morto. Pode parecer brincadeira, mas é difícil decidir às vezes sobre essas questões. Por alguma razão que agora me foge à consciência, decidi que havia morrido. Bem, como estava morto mesmo, resolvi olhar a minha volta para ver onde eu estava, pois não conseguia distinguir muito além do meu nariz, devido à névoa que se estendia em todas as direções. Enquanto, ato contínuo, forçava o olhar, começou a clarear a visão e pude perceber com nitidez que me encontrava em um anfiteatro lotado com pessoas que eu não conhecia. Havia gente de todo tipo: homens, mulheres, crianças, velhos e velhas, doentes e deficientes, uns estavam bem estropiados, outros nem tanto, mas, de qualquer maneira, quase não havia cadeiras vazias para serem ocupadas. Enquanto olhava ao redor para ver se reconhecia alguém, percebi bem em frente um senhor muito alinhado, terno, gravata, pasta e um celular à mão, apurei o ouvido e pude compreender o que ele falava ao telefone. Com que falava não sabia, mas estava bem alterado. Era mais ou menos assim parte de sua conversa:
― Isso não podia ter acontecido comigo! Eu não devia estar aqui! Tenho muitas coisas para resolver!
Alguém no telefone falava com ele, pois esse homem ficava quieto por segundos com o ouvido colado ao celular.
― Não aceito isso! Vou embora daqui! Não adianta! ― disse o engravatado senhor.
Muito agitado, o homem levantou-se do lugar onde estava, seguiu para o corredor que havia perto de mim, desceu o anfiteatro e saiu por entre as cortinas laterais.
Fiquei curioso por saber o que de tão grave havia acontecido com ele para sair dali da maneira como saiu. Enquanto divagava sobre questões que não me diziam respeito, uma moça veio conduzindo um cego até um lugar vago perto de mim. Esse homem cego usava óculos redondos bem escuros, uma bengala pendurada no braço esquerdo e a mão direita apoiada no ombro da moça que o conduzia escada acima. Gentilmente a moça dirigiu-me a palavra:
― Ele pode sentar-se nesse lugar? ― perguntou a moça apontando para uma cadeira vaga ao meu lado.
― Claro que pode ― respondi prontamente.
Levantei-me e deixei o homem cego acomodar-se confortavelmente na cadeira. A moça agradeceu e retirou-se, voltando para o lugar de onde havia vindo.
Alguns segundos se passaram. Os presentes começaram a se agitar nas cadeiras, o burburinho aumentava quanto uma mulher muito bem vestida entrou no palco. Com um largo sorriso ela se apresentou:
― Meu nome é Marília! Sejam todos muito bem-vindos.
Retribuímos em coro quase uníssono ao comprimento.
― Estou aqui para ajudá-los no passamento ― disse Marília. ― É um momento um tanto delicado, mas que surge para todos.
Essas palavras bateram forte nos presentes. Houve um alvoroço geral que foi silenciando-se aos poucos ante aos pedidos de nossa anfitriã. Recebi essa informação com uma inesperada tranqüilidade, pois, como já mencionara, tinha decidido que havia morrido.
Um instante mais de silêncio e era possível ouvir lamúrias de todas as partes.
― Eu era tão jovem! ― exclamou um rapaz, logo abaixo do homem cego.
― Mas, mas, como isso pode acontecer? ― disse uma mulher coberta de faixas.
― Deixei muitos assuntos inacabados! ― bradou um homem velho, mas que me pareceu ser muito importante.
Marília novamente acalmou a todos com seu sorriso tranquilizador e com mãos postas à frente.
― Meus irmãos! ― disse ela. ― O que passou, passou. O que se deixou por fazer ficou; mas o tempo é nosso aliado, e não podemos nos desesperar pelo que deixamos para trás. As coisas que não foram resolvidas ainda podem ser terminadas.
Com mais algumas palavras de conforto, Marília aquietou o coração de todos os presentes.
Um por um, nossa anfitriã nos chamou. Ainda não sei como ela sabia o nome de todos os presentes, mas quando pude perceber, não errava nenhum. Estendia a mão e chamava a cada um.
Cada um que era chamado descia até o palco. Marília conversava com ele por instantes e indicava uma direção a ser tomada. Mesmo aqueles que ainda choravam, ao ficarem perto dela aquietavam seus corações, e com um sorriso seguiam calmamente a direção apontada. O cego ao ser chamado, infelizmente não lembro do nome dele, pegou sua bengala e foi tateando serenamente até Marília. Subiu no palco sorrindo, juntou as mãos e fez uma mesura, retribuída pela anfitriã. Saiu pela esquerda. Um senhor foi chamado e não quis ir ao palco. Recusou-se peremptoriamente a sair do lugar onde estava. Nossa anfitriã apenas disse:
― Podes ficar o tempo que quiser. Não há pressa meu amigo.
E assim foi esvaziando o anfiteatro, ficando apenas algumas pessoas que se recusaram a partir. Eu fiquei prestando atenção em tudo que ocorria a minha volta, cada um que era chamado, a maneira como se comportava, a direção que tomava, como partia; esperando a minha vez e ser chamado. Foi quando ela olhou diretamente para mim e me chamou pelo meu nome completo. Levantei-me, desci os degraus que levavam ao palco, subi e como se estivesse a me despedir das coisas, cheguei perto de Marília. Ela sorriu para mim, eu retribuí o sorriso. Ela chegou-se perto de mim e disse ao meu ouvido:
― Acorda!
Abri meus olhos, olhei ao redor e reconheci o meu quarto. Fiquei muito feliz por estar de volta. Senti em meu coração uma paz muito intensa. Olhei o relógio: seis horas da manhã. Levantei-me e fui saudar o sol.