INTRODUÇÃO


Tudo começou lá pelos idos de 1989, onde eu lecionava matemática em uma escola de 2° grau. Era uma sexta-feira e os dois últimos períodos da noite sempre eram de matemática, física ou português, pois se colocassem outras disciplinas não ficava ninguém. Numa das aulas, em um intervalo, um aluno meu indagou-me sobre o que eu sabia de patentes. Prontamente respondi o que se aprendia na engenharia: o básico do assunto. O aluno me disse: “serve”. Ele trabalhava como vendedor em uma empresa do ramo, captando clientes que necessitassem do serviço em marcas e patentes. Convidou-me para conhecer a empresa e conversando com seu titular acabei aceitando o trabalho de redator em patentes. Gostei do assunto e dediquei-me: cursos, legislação, técnicas de redação e outras necessidades. Quando terminei e engenharia, eu e minha futura esposa, resolvemos montar uma empresa especializada no assunto. Ela ficaria com o administrativo (para o bem de todos, pois eu não sei nem pedir cheque em banco) e eu ficaria com a parte de patentes. Depois de duas décadas nesse trabalho e milhares de patentes redigidas, veio a ideia de selecionar as mais originais e publicá-las numa espécie de anedotário. O objetivo é mostrar a grande criatividade do brasileiro, que não deixa desejar a nenhum outro povo, além de divulgar o trabalho de marcas e patentes de um modo menos sisudo. Todas as patentes que foram citadas nesses contos já estão em domínio público. Os nomes dos inventores foram mudados para garantir privacidade e o meu pescoço. Minha esposa não quis aparecer e me ameaçou com direitos autorais caso divulgasse seu nome sem autorização.
Espero que apreciem essas pequenas histórias.

Escolha o assunto ao lado, em "Marcadores" e, divirta-se!

domingo, 25 de outubro de 2009

A CORRENTINHA

A correntinha
— Claro! Pode me passar à ligação. — Bom dia! Em que posso ajudar? — indaguei ao cliente.
— Gostaria de patentear minha invenção — disse o homem.
— Que bom. Do que se trata?
— É melhor que o senhor veja pessoalmente: montei um protótipo. Quando podemos nos encontrar?
Marcamos pela parte da tarde.
Um pouco antes da hora marcada, tocou o interfone anunciando a chegada do cliente.
Fui para a sala de reuniões e fiquei esperando. Não demorou muito Hans e um outro homem vieram carregando a invenção. Estava tapada por uma lona.
— É para não chamar a atenção! — disse-me Hans.
— Imagine se fosse para chamar a atenção — claro que pensei isso.
Hans tirou a lona que cobria a invenção. Era uma churrasqueira feita de tonel. Sabe aqueles tonéis de metal que se corta de comprido para fazer uma churrasqueira! Era quase isso. Metade do tonel ficava embaixo como uma churrasqueira comum. A outra metade ficava em cima, articulada por meio de dobradiças. Nessa parte ele tinha colocado uma portinha e uma chaminé.
— O que o senhor acha? — perguntou o inventor.
Claro que já conhecia essas churrasqueiras de meio tonel, mas confesso que não tinha visto ainda esse tipo.
— Funciona bem? — perguntei para ele.
— Claro! E é bem econômica — respondeu Hans. A gente coloca um pouquinho de carvão na parte de baixo, coloca a carne na grelha e fecha a churrasqueira. Aí é só controlar o andamento do churrasco pela portinhola.
— Bem interessante — ponderei. Você tem desenhos?
— Infelizmente não.
— Não tem problema, vamos fazer os desenhos da churrasqueira para depositar a patente.
— Mas não quero fazer a patente da churrasqueira — disse Hans.
Quando ele me disse isso, já sabia que a vaca tinha ido para o brejo e que ia me arrepender de perguntar, mas não tinha o que fazer.
— Bem! Se não é da churrasqueira, a patente é do quê? — perguntei já me preparando para o pior.
— Essa churrasqueira é bem conhecida no EUA. Quando fui visitar meu filho lá, trouxe a idéia de fazer essa peça aqui — explicou Hans. Mas não estou interessado na churrasqueira, quero proteger a correntinha.
Tive a certeza de que não tinha entendido nada.
— Que correntinha? — perguntei.
— Entre os dois meios tonéis tem uma correntinha que impede a parte de cima de tombar para o lado — explicou o inventor.
De fato, entre o meio tonel de baixo e o de cima tinha a bendita correntinha. Era uma daquelas correntes que se bota em coleira de cachorro pequeno. Tinha sido soldada na parte de baixo e na parte de cima.
— O senhor que patentear a correntinha? — indaguei para Hans.
— Exatamente isso! — respondeu bem feliz o inventor. É uma boa invenção, não acha?
— É — não me veio outra resposta à mente.
O outro homem que tinha ficado calado o tempo todo, continuou calado.


* * *





quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O Dispositivo Auxiliar

A moça entrou na sala vestindo um tailleur perfeito, saia e casaco, usando-os é claro. Sapato de salto alto e bico fino, daqueles de matar barata em cantinho, mas duvido que a moça chegasse a mais de 10 metros de uma delas. Quando caminhava, o roçar das meias fazia um barulhinho charmoso (não sei descrever o som, mas parecia zwig-zwig). Além de ser muito bonita, estava impecável. Trabalhava na Varig, do tempo que a Varig voava, tinha vindo do trabalho para conversar com alguém do escritório sobre um projeto. O sorteado tinha sido eu.

— Vanessa! Quer alguma coisa? Café, água, meu endereço (claro que não disse isso).

— Um café.

No escritório, nosso café não tem nada de cafezinho. São umas canecas que cabe um monte dentro. É batido, bem feito e gostoso, mas é bastante — expliquei para ela.

— Tudo bem — disse Vanessa. — Já estou mesmo excitada com a minha ideia e um pouco mais de café não fará diferença.

Como se trata de um anedotário e não de um conto erótico, não vou dizer nada.

— Por favor, do que se trata?

— Uma situação bastante comum e chata para a mulher é ter de ir a banheiros públicos. Nem sempre é limpo, às vezes o sanitário não tem tampa, outras vezes tem, mas não dá coragem de usar etc.

— De fato, são situações do dia a dia — disse e fiquei esperando o desenrolar do assunto.

— Por questões anatômicas nós temos de sentar para usar o sanitário — continuou explicando a moça.

— Abençoada diferença anatômica, se não ia ser uma viadag...só — apenas pensei isso.

— Um protetor descartável para assento sanitário? — indaguei.

— Não! Estes já existem aos montes. É algo mais inovador — disse Vanessa.

— Então?

— É um dispositivo auxiliar para micção.

— Não imagino o que possa ser! — disse para a moça.

Vanessa abriu a bolsa e facilmente achou o dispositivo. Facilmente, porque um dos grandes mistérios da humanidade é bolsa de mulher. Dá medo de ter de procurar qualquer coisa lá dentro, pois nunca se sabe o que se vai encontrar. As raras vezes que tive de fazer isso dá vontade de virar sobre a mesa todo o conteúdo e pegar o que se quer. Voltando ao caso, o que a moça pegou era um cone de papel, parecia um coador de café com a borda mais levantada para um dos lados.

— Não entendi! — confessei para a cliente.

— Esse cone permite que se faça xixi em pé — explicou Vanessa.

Normalmente, para bem entender um protótipo e eliminar possíveis dúvidas, a gente pede para o inventor demonstrá-lo, mas num caso como esse, achei prudente não propor a demonstração. Peguei o dispositivo auxiliar e comecei a analisá-lo.

— O papel é bem macio e impermeável, mas funciona mesmo? — indaguei e fiquei pensando. O casal se conhece na balada e resolve ir para um motel. Enquanto o cara fica olhando um filme na tv a mulher vai ao banheiro. O sujeito ouve um barulho no sanitário que lhe soa familiar. Vai até o banheiro é vê a mulher de costas para ele, em pé fazendo xixi, e quando termina ainda dá aquela balançadinha no corpo. Bem devagar, o sujeito pega suas coisa e se manda do motel e nunca atende ao telefone.

— Será que vai pegar? — perguntei.

— Eu mesmo testei — comentou a moça. Logo depois sorriu e disse, não esse é claro.

* * *

Hahahahahaha!!!!!!!
PS.: Sem figuras ou imagens.

A Tampa

Imagine a cena: um sujeito sai do banheiro com aquela sensação de vazio existencial e cruza com outro que precisa ir urgentemente ao sanitário. O que saiu está feliz por ter despachado a feijoada, e o que entra no banheiro percebe no ar a situação deplorável que vai encontrar. Se ele tem uma caixa de fósforos na mão dá para se salvar, mas se não: vai ter de enfrentar a peleia de peito aberto.

Assim foi o intróito da explicação que um cliente deu para começar a falar de sua invenção.

— É verdade! — concordei com ele. E como o assunto estava escatológico mesmo, conclui: às vezes a gente come guisadinho de urubu e não tira a moela. Aí é uma desgraça.

— Pior! — continuou o inventor — é passar aqueles desodorizadores, a mistura fica nauseabunda.

— Pois é! Está escrito na lata: aroma de flores do campo, lavanda etc. O dia que flores do campo tiverem o cheiro que fica no banheiro, o mundo está condenado — ponderei.

— Num dia desses — prosseguiu o inventor — eu estava lendo à Zero Hora dominical no banheiro e percebi que tinha de mudar essa situação.

— Por causa das hemorróidas? — perguntei, lembrando de que não se pode ficar muito tempo sentado no vaso.

— Não! — respondeu. Eu mesmo não estava me agüentando e não tinha levado fósforos. Pensei num exaustor.

— Mas isso não tem nada de novo — ponderei com ele. Aqueles exaustores automáticos que se ligam quando se acende a luz do banheiro são mais velhos que minha avó.

— Não pensei nisso não! — atalhou. O que desenvolvi foi um exaustor acoplado na tampa do sanitário.

O inventor tirou de dentro de uma grande sacola a tampa do vaso sanitário que ele tinha criado. Era um tampa comum cortada longitudinalmente, parte de cima e parte de baixo, emendadas pelo meio e que devia ter uns 15 cm de altura. Tinha uma grande quantidade de orifícios bem na junção da parte de cima com a parte de baixo, pelo lado de dentro e outros pelo lado de fora. Tinha dois exaustores bem pequenos, daqueles que se usam em computadores, que puxavam o ar e faziam-no passar pelos filtros. A tampa era pesada.

— A tampa ainda está muito alta, mas quero ver se consigo diminuir sua espessura — ponderou o cliente.

— Dá para ligar? — perguntei.

— Claro!

Botamos a tampa para funcionar. Fazia o mesmo barulho que os computadores domésticos fazem. Formava uma corrente de ar que era puxada pelos furos internos e expelida pelos furos externos.

— No verão não tem problema, mas no inverno...como fica? — perguntei. Já imaginando o usuário sentado na privada, pleno mês de julho, serra gaúcha, -3ºC lá fora e aquele arzinho gelado resfriando a retaguarda, sendo puxado pelos exaustores.

— Já pensei nisso — disse prontamente o inventor. Basta colocar um conjunto de resistências elétricas dentro da tampa para aquecê-la.

— Não vai ficar muito cara essa tampa?

— É para um público diferenciado.

Mais tarde pesquisando sobre o assunto fiquei impressionado com a grande quantidade dessas tampas que foram patenteadas. Tem tampa para todos os gostos e bolsos. Retornaremos a esse assunto mais tarde.

* * *