INTRODUÇÃO


Tudo começou lá pelos idos de 1989, onde eu lecionava matemática em uma escola de 2° grau. Era uma sexta-feira e os dois últimos períodos da noite sempre eram de matemática, física ou português, pois se colocassem outras disciplinas não ficava ninguém. Numa das aulas, em um intervalo, um aluno meu indagou-me sobre o que eu sabia de patentes. Prontamente respondi o que se aprendia na engenharia: o básico do assunto. O aluno me disse: “serve”. Ele trabalhava como vendedor em uma empresa do ramo, captando clientes que necessitassem do serviço em marcas e patentes. Convidou-me para conhecer a empresa e conversando com seu titular acabei aceitando o trabalho de redator em patentes. Gostei do assunto e dediquei-me: cursos, legislação, técnicas de redação e outras necessidades. Quando terminei e engenharia, eu e minha futura esposa, resolvemos montar uma empresa especializada no assunto. Ela ficaria com o administrativo (para o bem de todos, pois eu não sei nem pedir cheque em banco) e eu ficaria com a parte de patentes. Depois de duas décadas nesse trabalho e milhares de patentes redigidas, veio a ideia de selecionar as mais originais e publicá-las numa espécie de anedotário. O objetivo é mostrar a grande criatividade do brasileiro, que não deixa desejar a nenhum outro povo, além de divulgar o trabalho de marcas e patentes de um modo menos sisudo. Todas as patentes que foram citadas nesses contos já estão em domínio público. Os nomes dos inventores foram mudados para garantir privacidade e o meu pescoço. Minha esposa não quis aparecer e me ameaçou com direitos autorais caso divulgasse seu nome sem autorização.
Espero que apreciem essas pequenas histórias.

Escolha o assunto ao lado, em "Marcadores" e, divirta-se!

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Aprendiz de Costureira

Amigo:

Veio-me um calafrio a percorrer a espinha,
Tesoura, agulha e linha,
Uma máquina a costurar
A tesoura não para de cortar.




Um advogado que sumiu, desapareceu,
Nunca mais foi visto, escafedeu.

Uma costureira aprendiz em pranto,
Principal suspeita, no entanto.



Na sala redecorada, em um canto,
Resplandece um abajur e tanto.
Acabamento de primeira, ponto a ponto,
Mas a luz lhe trai o encanto

De pele feito, bem esticado,
O couro marcado, o fio encerado,
Todos admiram o belo brocado,
Mas, onde terá ido o advogado?

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

A porta

Seu Antenor entrou na sala decidido. Ele era um homem de estatura baixa, bem forte para a idade, atarracado e cabelo cortado escovinha. Gostava de luta livre e dizia ser muito bom com arma branca e de fogo.
— Tenho uma invenção que vai acabar com os assaltos às agências bancárias.
Sorvi o mate com cautela, pois, para um cara que esgana um bando de assaltantes só com as mãos, todo o cuidado é pouco.
— Diga lá seu Antenor! Qual é a novidade? — perguntei abruptamente enquanto roncava o mate.
— O grande problema das agências bancárias é quando ocorre um assalto — disse o inventor com a segurança de quem contabilizaria muitas horas de experiência.
— Como assim?
— Os vagabundos entram dentro da agência com as armas em punho ameaçando todo mundo. E o que os seguranças fazem? Nada — respondeu seu Antenor a sua própria pergunta. Os guardas têm ordem de não reagirem em um caso como esse para não por em risco a vida dos clientes.
— Parece que evitar expor os clientes a uma situação de risco de vida é o mais adequado — ponderei. E além disso, existem as portas giratórias com detectores de metal.
— Estas portas não servem para nada, pois os guardas liberam o botão para mulheres e pessoas mais velhas. Já vi um caso de assalto onde uma falsa grávida entrou no banco com uma arma escondida na barriga. O guarda liberou a porta e ela rendeu o cara. Aí, junto com os outros comparsas que já estavam dentro do banco, fizeram o assalto.
— Isso é um caso isolado. Não serve como média.
— Também os ladrões podem entrar atirando. A porta trava e o cara saca a arma e arrebenta os vidros à bala.
Pensei em contra-argumentar, mas resolvi ouvir o inventor. Afinal das contas, ele era “o cara”.
— Bem! — E qual é a sua ideia?
— Aperfeiçoar as portas giratórias, é claro.
A experiência traz algumas vantagens, como, por exemplo, se preparar para grandes impactos. Ofereci um mate para o Antenor que o recusou. Não gostava dessa beberagem amarga.
— No que consiste essa melhoria?
— Vamos manter essas portas que já estão aí por questões de custo, mas vamos construir um alçapão debaixo delas.
— Como assim! Um alçapão?
— Sim! Um alçapão. E que pode ser aberto ao comando dos guardas que vigiam a porta.
— E o que acontece então?
— O alçapão dá acesso a um quarto de segurança debaixo da porta do banco.
— O cara cai nesse quarto? — indaguei estupefato.
— Exatamente! Se a porta giratória acionar o sistema de trava e o ladrão sacar a arma para arrebentar os vidros, o alçapão se abre e o bandido vai cair dentro de uma cela abaixo da porta.
— “Isso é gozação” — pensei com meus botões. Acontece às vezes. Tem gente que não tem o que fazer e passa trote ao telefone, chama a Brigada sem necessidade e essas coisas. Mas, analisei bem seu Antenor, e ele não parecia ser tão bom ator para disfarçar desse jeito. Resolvi continuar.
— Seu Antenor, o cara vai cair num quarto debaixo da porta. Que fundura (boa essa) tem esse buraco?
— Normal, uns três metros.
— O ladrão vai se quebrar todo, pode até morrer. O banco vai ser acionado judicialmente — poderei.
— Ele não vai se machucar, pois toda a cela vai ser acolchoada — respondeu prontamente o inventor.
Deixei a mente em divagações por uns instantes, pensando naquela senhora que vai ao banco pegar sua aposentadoria. Saia rodada, óculos, cabelo bem arrumado num coque, sapato com salto baixo. Imagina: a avó da gente. A porta falha e despenca a velha lá de cima para dentro da cela. Os guardas vão investigar e encontram a velha com o vestido virado, toda escabelada, sem um dos sapados e aos berros, dentro do quarto para louco.
— Mas seu Antenor! — ponderei, retomando o assunto. Se a porta falhar com uma gestante, um aposentado, criança etc., e a pessoa cair dentro da cela. O banco vai pagar os tubos em indenizações. Nenhuma agência vai correr esse risco com os clientes.
— Não tem falha! Por isso que já tenho passagem marcada para Brasília para falar com o diretor do Banco Central para mostrar a minha invenção.
O assunto era sério mesmo. Resolvi fazer o relatório.
Essa porta rendeu mais patentes.
* * *

A INVENÇÃO SECRETA

A invenção secreta

— Quero fazer uma patente mundial! — disse o inventor.
Bem assim, dizendo, foi logo entrando na sala de reuniões, sem delongas, um italiano naturalizado brasileiro. Era nascido na Sicília, mas viera ao Brasil com os pais. Apaixonaram-se pelo país e por aqui ficaram.
— Por favor sente-se. Qual é sua graça? — perguntei ao homem.
— Giuseppe, mas podes me chamar de Pepe. Minha nona me chamava assim.
— Va bene! — disse brincando. No entanto, não existe uma patente mundial. Você tem que depositar no Brasil primeiro e depois nos outros países.
— È bene! — respondeu ele. Vamos fazer isso.
— Preciso que o senhor me diga o que é essa invenção.
— Como posso ter certeza de que posso confiar em você, engenheiro! — exclamou Pepe.
Uma questão bastante natural, pois nessa profissão a gente lida com segredos, recebe plantas, desenhos etc.
— Preciso ter alguma garantia de que você não vai divulgar minha invenção por aí, capisce! — disse Pepe para mim.
— Para essas situações existe um Termo de Sigilo, onde a empresa se responsabiliza pelo segredo das informações — informei para o inventor e, ato contínuo, pedi à secretária que me trouxesse o tal termo.
Pepe leu o papel e disse:
— É isso mesmo!
Assinei o documento, entreguei uma cópia para o inventor e fiquei esperando. Ele ficou me olhando e eu fiquei olhando para ele. Depois de alguns segundos, perguntei para ele:
— E aí! Nós vamos ficar nos olhando? — pensei: “é namoro ou amizade”?
— Ninguém mais vai ficar sabendo da minha invenção? — perguntou.
— Como assim! Não entendi?
— Outras pessoas do escritório vão ter acesso a esse material?
— Sim! Tem a parte dos desenhos, depois se faz a revisão do texto, tem a moça que faz a petição etc.
— Ah! Cada uma dessas pessoas vai ter que assinar um termo de sigilo — disse Pepe.
Quando o carcamano veio com essa, senti que a patente ia acabar em pizza. No entanto, continuei tranquilo e perguntei:
— Mas para quê? — basta que eu assine o termo e me responsabilize pelo grupo.
— È vero, mas somente você está assinando. Nada me garante que o segredo vaze por um dos teus colaboradores — ponderou Pepe.
— Tenho vinte anos de propriedade industrial e isso nunca aconteceu.
— Mas sempre tem a primeira vez.
— Bem, você precisa confiar em alguém — disse para o inventor.
— Por que posso confiar em você? — lascou o gringo sem rodeios.
Olhei para o finório e fiquei pensando: “qual será a desse cara”? Mas continuei resoluto em descobrir o que era a invenção.
— Se você não tem confiança em mim, eu não posso lhe ajudar.
— Não é isso! — exclamou Pepe. Apenas quero ter garantias de que minha invenção não pare em outras mãos. Imagina quanto dinheiro eu posso perder se isso acontecer.
“Ai! Ai! Ai”! — pensei — vai acabar mal.
— Mas eu nem sei se a tua invenção pode ser patenteada. Pode ser que não seja novidade.
— Mas como! Você está querendo dizer que não inventei nada! — disse Pepe já meio alterado.
— Não! — retruquei — apenas disse que não sabia se já não existia isso.
— Claro que não existe isso! Foi eu quem inventou — sentenciou o inventor.
Era um daqueles dias que não tinha dado carga total na minha paciência, por isso foi atropelando:
— Agora chega! — exclamei meio irritado. Nós vamos ficar aqui nessa prosa de louco. Já faz quase uma hora que estamos aqui e eu nem sei que raio de coisa você inventou, se é que inventou algo.
— Você não sabe o que é! Como pode dizer que eu não inventei nada — retrucou Pepe mais alterado do que antes.
— Se você não confia em mim, não tem mais nada a fazer aqui. E quer saber de uma coisa: não quero mais saber o que você inventou — conclui.
— Você está me mandando embora!
— Estou! — retorqui resoluto.
Pepe ficou me olhando uns instantes. Levantou-se e foi até a porta. Que a essa altura eu já tinha aberto. Afinal, a porta da rua é serventia da casa. Ele parou na porta. Voltou até a mesa e retirou da pasta uma planta em desenho técnico. Abriu o desenho sobre a mesa e me chamou para olhá-lo.
— Viene qui engenheiro — chamou-me Pepe. Venha olhar o que inventei.
— Fechei a porta e fui ver o projeto.
Cumprimentei o maledeto:
— Muito boa a tua invenção Pepe.
Infelizmente, não posso contar para vocês. Sabem como é: assinei o termo.
* * *