INTRODUÇÃO


Tudo começou lá pelos idos de 1989, onde eu lecionava matemática em uma escola de 2° grau. Era uma sexta-feira e os dois últimos períodos da noite sempre eram de matemática, física ou português, pois se colocassem outras disciplinas não ficava ninguém. Numa das aulas, em um intervalo, um aluno meu indagou-me sobre o que eu sabia de patentes. Prontamente respondi o que se aprendia na engenharia: o básico do assunto. O aluno me disse: “serve”. Ele trabalhava como vendedor em uma empresa do ramo, captando clientes que necessitassem do serviço em marcas e patentes. Convidou-me para conhecer a empresa e conversando com seu titular acabei aceitando o trabalho de redator em patentes. Gostei do assunto e dediquei-me: cursos, legislação, técnicas de redação e outras necessidades. Quando terminei e engenharia, eu e minha futura esposa, resolvemos montar uma empresa especializada no assunto. Ela ficaria com o administrativo (para o bem de todos, pois eu não sei nem pedir cheque em banco) e eu ficaria com a parte de patentes. Depois de duas décadas nesse trabalho e milhares de patentes redigidas, veio a ideia de selecionar as mais originais e publicá-las numa espécie de anedotário. O objetivo é mostrar a grande criatividade do brasileiro, que não deixa desejar a nenhum outro povo, além de divulgar o trabalho de marcas e patentes de um modo menos sisudo. Todas as patentes que foram citadas nesses contos já estão em domínio público. Os nomes dos inventores foram mudados para garantir privacidade e o meu pescoço. Minha esposa não quis aparecer e me ameaçou com direitos autorais caso divulgasse seu nome sem autorização.
Espero que apreciem essas pequenas histórias.

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quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

A INVENÇÃO SECRETA

A invenção secreta

— Quero fazer uma patente mundial! — disse o inventor.
Bem assim, dizendo, foi logo entrando na sala de reuniões, sem delongas, um italiano naturalizado brasileiro. Era nascido na Sicília, mas viera ao Brasil com os pais. Apaixonaram-se pelo país e por aqui ficaram.
— Por favor sente-se. Qual é sua graça? — perguntei ao homem.
— Giuseppe, mas podes me chamar de Pepe. Minha nona me chamava assim.
— Va bene! — disse brincando. No entanto, não existe uma patente mundial. Você tem que depositar no Brasil primeiro e depois nos outros países.
— È bene! — respondeu ele. Vamos fazer isso.
— Preciso que o senhor me diga o que é essa invenção.
— Como posso ter certeza de que posso confiar em você, engenheiro! — exclamou Pepe.
Uma questão bastante natural, pois nessa profissão a gente lida com segredos, recebe plantas, desenhos etc.
— Preciso ter alguma garantia de que você não vai divulgar minha invenção por aí, capisce! — disse Pepe para mim.
— Para essas situações existe um Termo de Sigilo, onde a empresa se responsabiliza pelo segredo das informações — informei para o inventor e, ato contínuo, pedi à secretária que me trouxesse o tal termo.
Pepe leu o papel e disse:
— É isso mesmo!
Assinei o documento, entreguei uma cópia para o inventor e fiquei esperando. Ele ficou me olhando e eu fiquei olhando para ele. Depois de alguns segundos, perguntei para ele:
— E aí! Nós vamos ficar nos olhando? — pensei: “é namoro ou amizade”?
— Ninguém mais vai ficar sabendo da minha invenção? — perguntou.
— Como assim! Não entendi?
— Outras pessoas do escritório vão ter acesso a esse material?
— Sim! Tem a parte dos desenhos, depois se faz a revisão do texto, tem a moça que faz a petição etc.
— Ah! Cada uma dessas pessoas vai ter que assinar um termo de sigilo — disse Pepe.
Quando o carcamano veio com essa, senti que a patente ia acabar em pizza. No entanto, continuei tranquilo e perguntei:
— Mas para quê? — basta que eu assine o termo e me responsabilize pelo grupo.
— È vero, mas somente você está assinando. Nada me garante que o segredo vaze por um dos teus colaboradores — ponderou Pepe.
— Tenho vinte anos de propriedade industrial e isso nunca aconteceu.
— Mas sempre tem a primeira vez.
— Bem, você precisa confiar em alguém — disse para o inventor.
— Por que posso confiar em você? — lascou o gringo sem rodeios.
Olhei para o finório e fiquei pensando: “qual será a desse cara”? Mas continuei resoluto em descobrir o que era a invenção.
— Se você não tem confiança em mim, eu não posso lhe ajudar.
— Não é isso! — exclamou Pepe. Apenas quero ter garantias de que minha invenção não pare em outras mãos. Imagina quanto dinheiro eu posso perder se isso acontecer.
“Ai! Ai! Ai”! — pensei — vai acabar mal.
— Mas eu nem sei se a tua invenção pode ser patenteada. Pode ser que não seja novidade.
— Mas como! Você está querendo dizer que não inventei nada! — disse Pepe já meio alterado.
— Não! — retruquei — apenas disse que não sabia se já não existia isso.
— Claro que não existe isso! Foi eu quem inventou — sentenciou o inventor.
Era um daqueles dias que não tinha dado carga total na minha paciência, por isso foi atropelando:
— Agora chega! — exclamei meio irritado. Nós vamos ficar aqui nessa prosa de louco. Já faz quase uma hora que estamos aqui e eu nem sei que raio de coisa você inventou, se é que inventou algo.
— Você não sabe o que é! Como pode dizer que eu não inventei nada — retrucou Pepe mais alterado do que antes.
— Se você não confia em mim, não tem mais nada a fazer aqui. E quer saber de uma coisa: não quero mais saber o que você inventou — conclui.
— Você está me mandando embora!
— Estou! — retorqui resoluto.
Pepe ficou me olhando uns instantes. Levantou-se e foi até a porta. Que a essa altura eu já tinha aberto. Afinal, a porta da rua é serventia da casa. Ele parou na porta. Voltou até a mesa e retirou da pasta uma planta em desenho técnico. Abriu o desenho sobre a mesa e me chamou para olhá-lo.
— Viene qui engenheiro — chamou-me Pepe. Venha olhar o que inventei.
— Fechei a porta e fui ver o projeto.
Cumprimentei o maledeto:
— Muito boa a tua invenção Pepe.
Infelizmente, não posso contar para vocês. Sabem como é: assinei o termo.
* * *

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