INTRODUÇÃO


Tudo começou lá pelos idos de 1989, onde eu lecionava matemática em uma escola de 2° grau. Era uma sexta-feira e os dois últimos períodos da noite sempre eram de matemática, física ou português, pois se colocassem outras disciplinas não ficava ninguém. Numa das aulas, em um intervalo, um aluno meu indagou-me sobre o que eu sabia de patentes. Prontamente respondi o que se aprendia na engenharia: o básico do assunto. O aluno me disse: “serve”. Ele trabalhava como vendedor em uma empresa do ramo, captando clientes que necessitassem do serviço em marcas e patentes. Convidou-me para conhecer a empresa e conversando com seu titular acabei aceitando o trabalho de redator em patentes. Gostei do assunto e dediquei-me: cursos, legislação, técnicas de redação e outras necessidades. Quando terminei e engenharia, eu e minha futura esposa, resolvemos montar uma empresa especializada no assunto. Ela ficaria com o administrativo (para o bem de todos, pois eu não sei nem pedir cheque em banco) e eu ficaria com a parte de patentes. Depois de duas décadas nesse trabalho e milhares de patentes redigidas, veio a ideia de selecionar as mais originais e publicá-las numa espécie de anedotário. O objetivo é mostrar a grande criatividade do brasileiro, que não deixa desejar a nenhum outro povo, além de divulgar o trabalho de marcas e patentes de um modo menos sisudo. Todas as patentes que foram citadas nesses contos já estão em domínio público. Os nomes dos inventores foram mudados para garantir privacidade e o meu pescoço. Minha esposa não quis aparecer e me ameaçou com direitos autorais caso divulgasse seu nome sem autorização.
Espero que apreciem essas pequenas histórias.

Escolha o assunto ao lado, em "Marcadores" e, divirta-se!

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Aprendiz de Costureira

Amigo:

Veio-me um calafrio a percorrer a espinha,
Tesoura, agulha e linha,
Uma máquina a costurar
A tesoura não para de cortar.




Um advogado que sumiu, desapareceu,
Nunca mais foi visto, escafedeu.

Uma costureira aprendiz em pranto,
Principal suspeita, no entanto.



Na sala redecorada, em um canto,
Resplandece um abajur e tanto.
Acabamento de primeira, ponto a ponto,
Mas a luz lhe trai o encanto

De pele feito, bem esticado,
O couro marcado, o fio encerado,
Todos admiram o belo brocado,
Mas, onde terá ido o advogado?

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

A porta

Seu Antenor entrou na sala decidido. Ele era um homem de estatura baixa, bem forte para a idade, atarracado e cabelo cortado escovinha. Gostava de luta livre e dizia ser muito bom com arma branca e de fogo.
— Tenho uma invenção que vai acabar com os assaltos às agências bancárias.
Sorvi o mate com cautela, pois, para um cara que esgana um bando de assaltantes só com as mãos, todo o cuidado é pouco.
— Diga lá seu Antenor! Qual é a novidade? — perguntei abruptamente enquanto roncava o mate.
— O grande problema das agências bancárias é quando ocorre um assalto — disse o inventor com a segurança de quem contabilizaria muitas horas de experiência.
— Como assim?
— Os vagabundos entram dentro da agência com as armas em punho ameaçando todo mundo. E o que os seguranças fazem? Nada — respondeu seu Antenor a sua própria pergunta. Os guardas têm ordem de não reagirem em um caso como esse para não por em risco a vida dos clientes.
— Parece que evitar expor os clientes a uma situação de risco de vida é o mais adequado — ponderei. E além disso, existem as portas giratórias com detectores de metal.
— Estas portas não servem para nada, pois os guardas liberam o botão para mulheres e pessoas mais velhas. Já vi um caso de assalto onde uma falsa grávida entrou no banco com uma arma escondida na barriga. O guarda liberou a porta e ela rendeu o cara. Aí, junto com os outros comparsas que já estavam dentro do banco, fizeram o assalto.
— Isso é um caso isolado. Não serve como média.
— Também os ladrões podem entrar atirando. A porta trava e o cara saca a arma e arrebenta os vidros à bala.
Pensei em contra-argumentar, mas resolvi ouvir o inventor. Afinal das contas, ele era “o cara”.
— Bem! — E qual é a sua ideia?
— Aperfeiçoar as portas giratórias, é claro.
A experiência traz algumas vantagens, como, por exemplo, se preparar para grandes impactos. Ofereci um mate para o Antenor que o recusou. Não gostava dessa beberagem amarga.
— No que consiste essa melhoria?
— Vamos manter essas portas que já estão aí por questões de custo, mas vamos construir um alçapão debaixo delas.
— Como assim! Um alçapão?
— Sim! Um alçapão. E que pode ser aberto ao comando dos guardas que vigiam a porta.
— E o que acontece então?
— O alçapão dá acesso a um quarto de segurança debaixo da porta do banco.
— O cara cai nesse quarto? — indaguei estupefato.
— Exatamente! Se a porta giratória acionar o sistema de trava e o ladrão sacar a arma para arrebentar os vidros, o alçapão se abre e o bandido vai cair dentro de uma cela abaixo da porta.
— “Isso é gozação” — pensei com meus botões. Acontece às vezes. Tem gente que não tem o que fazer e passa trote ao telefone, chama a Brigada sem necessidade e essas coisas. Mas, analisei bem seu Antenor, e ele não parecia ser tão bom ator para disfarçar desse jeito. Resolvi continuar.
— Seu Antenor, o cara vai cair num quarto debaixo da porta. Que fundura (boa essa) tem esse buraco?
— Normal, uns três metros.
— O ladrão vai se quebrar todo, pode até morrer. O banco vai ser acionado judicialmente — poderei.
— Ele não vai se machucar, pois toda a cela vai ser acolchoada — respondeu prontamente o inventor.
Deixei a mente em divagações por uns instantes, pensando naquela senhora que vai ao banco pegar sua aposentadoria. Saia rodada, óculos, cabelo bem arrumado num coque, sapato com salto baixo. Imagina: a avó da gente. A porta falha e despenca a velha lá de cima para dentro da cela. Os guardas vão investigar e encontram a velha com o vestido virado, toda escabelada, sem um dos sapados e aos berros, dentro do quarto para louco.
— Mas seu Antenor! — ponderei, retomando o assunto. Se a porta falhar com uma gestante, um aposentado, criança etc., e a pessoa cair dentro da cela. O banco vai pagar os tubos em indenizações. Nenhuma agência vai correr esse risco com os clientes.
— Não tem falha! Por isso que já tenho passagem marcada para Brasília para falar com o diretor do Banco Central para mostrar a minha invenção.
O assunto era sério mesmo. Resolvi fazer o relatório.
Essa porta rendeu mais patentes.
* * *

A INVENÇÃO SECRETA

A invenção secreta

— Quero fazer uma patente mundial! — disse o inventor.
Bem assim, dizendo, foi logo entrando na sala de reuniões, sem delongas, um italiano naturalizado brasileiro. Era nascido na Sicília, mas viera ao Brasil com os pais. Apaixonaram-se pelo país e por aqui ficaram.
— Por favor sente-se. Qual é sua graça? — perguntei ao homem.
— Giuseppe, mas podes me chamar de Pepe. Minha nona me chamava assim.
— Va bene! — disse brincando. No entanto, não existe uma patente mundial. Você tem que depositar no Brasil primeiro e depois nos outros países.
— È bene! — respondeu ele. Vamos fazer isso.
— Preciso que o senhor me diga o que é essa invenção.
— Como posso ter certeza de que posso confiar em você, engenheiro! — exclamou Pepe.
Uma questão bastante natural, pois nessa profissão a gente lida com segredos, recebe plantas, desenhos etc.
— Preciso ter alguma garantia de que você não vai divulgar minha invenção por aí, capisce! — disse Pepe para mim.
— Para essas situações existe um Termo de Sigilo, onde a empresa se responsabiliza pelo segredo das informações — informei para o inventor e, ato contínuo, pedi à secretária que me trouxesse o tal termo.
Pepe leu o papel e disse:
— É isso mesmo!
Assinei o documento, entreguei uma cópia para o inventor e fiquei esperando. Ele ficou me olhando e eu fiquei olhando para ele. Depois de alguns segundos, perguntei para ele:
— E aí! Nós vamos ficar nos olhando? — pensei: “é namoro ou amizade”?
— Ninguém mais vai ficar sabendo da minha invenção? — perguntou.
— Como assim! Não entendi?
— Outras pessoas do escritório vão ter acesso a esse material?
— Sim! Tem a parte dos desenhos, depois se faz a revisão do texto, tem a moça que faz a petição etc.
— Ah! Cada uma dessas pessoas vai ter que assinar um termo de sigilo — disse Pepe.
Quando o carcamano veio com essa, senti que a patente ia acabar em pizza. No entanto, continuei tranquilo e perguntei:
— Mas para quê? — basta que eu assine o termo e me responsabilize pelo grupo.
— È vero, mas somente você está assinando. Nada me garante que o segredo vaze por um dos teus colaboradores — ponderou Pepe.
— Tenho vinte anos de propriedade industrial e isso nunca aconteceu.
— Mas sempre tem a primeira vez.
— Bem, você precisa confiar em alguém — disse para o inventor.
— Por que posso confiar em você? — lascou o gringo sem rodeios.
Olhei para o finório e fiquei pensando: “qual será a desse cara”? Mas continuei resoluto em descobrir o que era a invenção.
— Se você não tem confiança em mim, eu não posso lhe ajudar.
— Não é isso! — exclamou Pepe. Apenas quero ter garantias de que minha invenção não pare em outras mãos. Imagina quanto dinheiro eu posso perder se isso acontecer.
“Ai! Ai! Ai”! — pensei — vai acabar mal.
— Mas eu nem sei se a tua invenção pode ser patenteada. Pode ser que não seja novidade.
— Mas como! Você está querendo dizer que não inventei nada! — disse Pepe já meio alterado.
— Não! — retruquei — apenas disse que não sabia se já não existia isso.
— Claro que não existe isso! Foi eu quem inventou — sentenciou o inventor.
Era um daqueles dias que não tinha dado carga total na minha paciência, por isso foi atropelando:
— Agora chega! — exclamei meio irritado. Nós vamos ficar aqui nessa prosa de louco. Já faz quase uma hora que estamos aqui e eu nem sei que raio de coisa você inventou, se é que inventou algo.
— Você não sabe o que é! Como pode dizer que eu não inventei nada — retrucou Pepe mais alterado do que antes.
— Se você não confia em mim, não tem mais nada a fazer aqui. E quer saber de uma coisa: não quero mais saber o que você inventou — conclui.
— Você está me mandando embora!
— Estou! — retorqui resoluto.
Pepe ficou me olhando uns instantes. Levantou-se e foi até a porta. Que a essa altura eu já tinha aberto. Afinal, a porta da rua é serventia da casa. Ele parou na porta. Voltou até a mesa e retirou da pasta uma planta em desenho técnico. Abriu o desenho sobre a mesa e me chamou para olhá-lo.
— Viene qui engenheiro — chamou-me Pepe. Venha olhar o que inventei.
— Fechei a porta e fui ver o projeto.
Cumprimentei o maledeto:
— Muito boa a tua invenção Pepe.
Infelizmente, não posso contar para vocês. Sabem como é: assinei o termo.
* * *

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

PRÓLOGO NO PARAÍSO

Prólogo no paraíso (o céu está fechado para reformas)

Eu não desisto. Vou encenar mais uma peça. Talvez seja queimado por àqueles que guardam a moral e os bons costumes, mas fazer o quê?

Primeiro Ato

Personagens:

- Deus
- Lúcifer (é melhor chamá-lo assim, pois não tem nada pior do que um pobre diabo)

Estamos no início do sexto dia. Deus já tinha criado todas as coisas, mas faltava o homem.
Lúcifer está sentado em um banquinho cortando as unas dos pés embaixo de uma macieira. O dia está bonito, temperatura boa, brisa suave, os pássaros estão ensaiando os primeiros acordes etc.
De repente, treme a terra, o vento sopra, o céu escurece e a sarça arde. Deus se faz presente:

Lúcifer: ― Tinha que ser você! Para que tanto espalhafato? Não dá para chegar de mansinho?
Deus: ― Gosto dos efeitos especiais. E, além disso, estou treinando minha aparição para o Moisés.
Lúcifer: ― Àquele cara do balaio, rio Nilo, Egito?
Deus: ― Como é que você sabe?
Lúcifer: ― Tenho os meus informantes! Sabe como é. Um bom serviço de informações é essencial hoje em dia.
Deus: ― Gabriel! Não dá pra confiar nos anjos. Qualquer coisa eles saem anunciando. É anunciação pra lá é anunciação pra cá.
Lúcifer: ― Não é só isso! Você não imagina o poder de umas caipirinhas.
Deus: ― Caipirinha?
Lúcifer: ― É um negócio que inventei. O Gabriel está me ajudando a testar. Dá uma bicadinha.
Deus: ― Hum! É melhor descascar o limão. Fica menos amargo. Mas veja bem o que você vai fazer. Estou planejando umas aparições dele para uma mulher e um profeta. Não vai me estragar o cara. Não tem nada pior do que beber em serviço.
Lúcifer: ― Deixa comigo! Sou um cara de confiança. Mas você não veio aqui só para olhar os meus lindos olhos.
Deus: ― Não! Trouxe um novo projeto. Quero discutir contigo.

Deus abre uma folha de papel com uns desenhos contidos nela. O computador não tinha sido inventado ainda. Laptop então...

Lúcifer: ― Ah! Esse projeto. Não gostei desde o início. Essa história de criar o homem não vai dar certo.
Deus: ― Qual é! Que cara mais negativo. Nem olhou direito e já diz que não presta.
Lúcifer: ― Não é isso! Eu é que vou ter de tentar essa coisa aí.
Deus: ― Qual é problema.
Lúcifer: ― Você precisava fazê-lo com três pernas. Está me estranhado?
Deus: ― Preconceituoso.
Lúcifer: ― Nada disso. É que vai pintar um conflito: cobra com cobra. Vai ser uma loucura: cobra pra lá cobra pra cá, escorrega ali escorrega aqui. ― Você não tem outra coisa?

Deus puxa de dentro de uma sacola outra folha de papel.

Lúcifer: ― Ah! A mulher. Bem melhor. Posso dar uns palpites?
Deus: ― Claro! Trouxe esses projetos para discutir contigo, meu fiel braço direito. He! He! He!
Lúcifer: ― Vai ficar melhor somente com dois seios. Três fica muito esquisito.
Deus: ― Talvez você tenha razão. Pode rabiscar aí do lado.
Lúcifer: ― O que é isso?
Deus: ― Cabelos!
Lúcifer: ― Nas pernas! Tanto assim? Está parecendo uma macaca. Depois é aquela reclamação com a depilação. Eu se fosse você deixava somente um tufo no meio delas. Dá para fazer cada desenho bonitinho: triângulo, coração...
Deus: ― Olha o cara ai?
Lúcifer: ― Só estou fazendo o meu trabalho. Outra coisa: o que é isso aqui atrás?
Deus: ― A bunda.
Lúcifer: ― Sem comentários. Além de mal feita está muito caída.
Deus: ― Fiz assim só para que ela possa sentar.
Lúcifer: ― Putz! Você não entende nada de sedução.

Lúcifer puxa o projeto para si e começa a rabiscar um desenho.

Deus: ― Você dividiu-a no meio?
Lúcifer: ― Num fio dental vai ficar uma beleza. Você vai ver.
Deus: ― Está muito arrebitada!
Lúcifer: ― Não vou nem comentar.
Deus: ― Saco!! Você está mudando todo o desenho original! Tem alguma coisa que você gostou?
Lúcifer: ― A boca ficou boa. Os olhos oblíquos e dissimulados estão uma beleza e o nariz está ótimo.

Lúcifer pede para Deus fazer a mulher andar. Virtualmente é claro, pois o projeto ainda não tinha sido aprovado. Sabe como é: matriz barata só na China.

Lúcifer: ― Não te falei! Olha só que rebolado.
Deus: ― O quadril está muito grande e a cintura muito fina.
Lúcifer: ― Deixa assim. Fica parecendo um violão.
Deus: ― Posso produzir?
Lúcifer: ― Deixa eu olhar mais um pouquinho. Afinal, sou eu quem vai tentá-la.
Deus: ― Vamos cara! Não tenho o dia todo. Amanhã é domingo e prometi ir bater uma bolinha com a turma.
Lúcifer: ― Em nome de Deus! O que é isso?
Deus: ― Debochado! São os pés.
Lúcifer: ― Você está louco. Se essa criatura morrer em pé não cai.
Deus: ― Tem que ter uma boa base.
Lúcifer: ― Vamos fazer um pezinho delicado. Não sacrifica.
Deus: ― Chega!
Lúcifer: ― Aprovado. Ta uma beleza.

Deus enrola os projetos e ameaça ir embora.

Lúcifer: ― Peraí! Eu não assinei a co-autoria. Tem a questão dos direitos autorais.
Deus: ― Você está me gozando?
Lúcifer: ― Não! Eu não vou assinar o projeto????
Deus: ― Estás brincando! Depois vão dizer por aí que a mulher é coisa do demônio.

Deus, cheio de si mesmo, desaparece em uma nuvem perfumada. Lúcifer fica sozinho com cara de babaca.

Lúcifer: ― Depois sou eu. Não dá pra confiar em ninguém. Mas vai ter volta.

Fim do primeiro ato.

* * *

domingo, 25 de outubro de 2009

A CORRENTINHA

A correntinha
— Claro! Pode me passar à ligação. — Bom dia! Em que posso ajudar? — indaguei ao cliente.
— Gostaria de patentear minha invenção — disse o homem.
— Que bom. Do que se trata?
— É melhor que o senhor veja pessoalmente: montei um protótipo. Quando podemos nos encontrar?
Marcamos pela parte da tarde.
Um pouco antes da hora marcada, tocou o interfone anunciando a chegada do cliente.
Fui para a sala de reuniões e fiquei esperando. Não demorou muito Hans e um outro homem vieram carregando a invenção. Estava tapada por uma lona.
— É para não chamar a atenção! — disse-me Hans.
— Imagine se fosse para chamar a atenção — claro que pensei isso.
Hans tirou a lona que cobria a invenção. Era uma churrasqueira feita de tonel. Sabe aqueles tonéis de metal que se corta de comprido para fazer uma churrasqueira! Era quase isso. Metade do tonel ficava embaixo como uma churrasqueira comum. A outra metade ficava em cima, articulada por meio de dobradiças. Nessa parte ele tinha colocado uma portinha e uma chaminé.
— O que o senhor acha? — perguntou o inventor.
Claro que já conhecia essas churrasqueiras de meio tonel, mas confesso que não tinha visto ainda esse tipo.
— Funciona bem? — perguntei para ele.
— Claro! E é bem econômica — respondeu Hans. A gente coloca um pouquinho de carvão na parte de baixo, coloca a carne na grelha e fecha a churrasqueira. Aí é só controlar o andamento do churrasco pela portinhola.
— Bem interessante — ponderei. Você tem desenhos?
— Infelizmente não.
— Não tem problema, vamos fazer os desenhos da churrasqueira para depositar a patente.
— Mas não quero fazer a patente da churrasqueira — disse Hans.
Quando ele me disse isso, já sabia que a vaca tinha ido para o brejo e que ia me arrepender de perguntar, mas não tinha o que fazer.
— Bem! Se não é da churrasqueira, a patente é do quê? — perguntei já me preparando para o pior.
— Essa churrasqueira é bem conhecida no EUA. Quando fui visitar meu filho lá, trouxe a idéia de fazer essa peça aqui — explicou Hans. Mas não estou interessado na churrasqueira, quero proteger a correntinha.
Tive a certeza de que não tinha entendido nada.
— Que correntinha? — perguntei.
— Entre os dois meios tonéis tem uma correntinha que impede a parte de cima de tombar para o lado — explicou o inventor.
De fato, entre o meio tonel de baixo e o de cima tinha a bendita correntinha. Era uma daquelas correntes que se bota em coleira de cachorro pequeno. Tinha sido soldada na parte de baixo e na parte de cima.
— O senhor que patentear a correntinha? — indaguei para Hans.
— Exatamente isso! — respondeu bem feliz o inventor. É uma boa invenção, não acha?
— É — não me veio outra resposta à mente.
O outro homem que tinha ficado calado o tempo todo, continuou calado.


* * *





quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O Dispositivo Auxiliar

A moça entrou na sala vestindo um tailleur perfeito, saia e casaco, usando-os é claro. Sapato de salto alto e bico fino, daqueles de matar barata em cantinho, mas duvido que a moça chegasse a mais de 10 metros de uma delas. Quando caminhava, o roçar das meias fazia um barulhinho charmoso (não sei descrever o som, mas parecia zwig-zwig). Além de ser muito bonita, estava impecável. Trabalhava na Varig, do tempo que a Varig voava, tinha vindo do trabalho para conversar com alguém do escritório sobre um projeto. O sorteado tinha sido eu.

— Vanessa! Quer alguma coisa? Café, água, meu endereço (claro que não disse isso).

— Um café.

No escritório, nosso café não tem nada de cafezinho. São umas canecas que cabe um monte dentro. É batido, bem feito e gostoso, mas é bastante — expliquei para ela.

— Tudo bem — disse Vanessa. — Já estou mesmo excitada com a minha ideia e um pouco mais de café não fará diferença.

Como se trata de um anedotário e não de um conto erótico, não vou dizer nada.

— Por favor, do que se trata?

— Uma situação bastante comum e chata para a mulher é ter de ir a banheiros públicos. Nem sempre é limpo, às vezes o sanitário não tem tampa, outras vezes tem, mas não dá coragem de usar etc.

— De fato, são situações do dia a dia — disse e fiquei esperando o desenrolar do assunto.

— Por questões anatômicas nós temos de sentar para usar o sanitário — continuou explicando a moça.

— Abençoada diferença anatômica, se não ia ser uma viadag...só — apenas pensei isso.

— Um protetor descartável para assento sanitário? — indaguei.

— Não! Estes já existem aos montes. É algo mais inovador — disse Vanessa.

— Então?

— É um dispositivo auxiliar para micção.

— Não imagino o que possa ser! — disse para a moça.

Vanessa abriu a bolsa e facilmente achou o dispositivo. Facilmente, porque um dos grandes mistérios da humanidade é bolsa de mulher. Dá medo de ter de procurar qualquer coisa lá dentro, pois nunca se sabe o que se vai encontrar. As raras vezes que tive de fazer isso dá vontade de virar sobre a mesa todo o conteúdo e pegar o que se quer. Voltando ao caso, o que a moça pegou era um cone de papel, parecia um coador de café com a borda mais levantada para um dos lados.

— Não entendi! — confessei para a cliente.

— Esse cone permite que se faça xixi em pé — explicou Vanessa.

Normalmente, para bem entender um protótipo e eliminar possíveis dúvidas, a gente pede para o inventor demonstrá-lo, mas num caso como esse, achei prudente não propor a demonstração. Peguei o dispositivo auxiliar e comecei a analisá-lo.

— O papel é bem macio e impermeável, mas funciona mesmo? — indaguei e fiquei pensando. O casal se conhece na balada e resolve ir para um motel. Enquanto o cara fica olhando um filme na tv a mulher vai ao banheiro. O sujeito ouve um barulho no sanitário que lhe soa familiar. Vai até o banheiro é vê a mulher de costas para ele, em pé fazendo xixi, e quando termina ainda dá aquela balançadinha no corpo. Bem devagar, o sujeito pega suas coisa e se manda do motel e nunca atende ao telefone.

— Será que vai pegar? — perguntei.

— Eu mesmo testei — comentou a moça. Logo depois sorriu e disse, não esse é claro.

* * *

Hahahahahaha!!!!!!!
PS.: Sem figuras ou imagens.

A Tampa

Imagine a cena: um sujeito sai do banheiro com aquela sensação de vazio existencial e cruza com outro que precisa ir urgentemente ao sanitário. O que saiu está feliz por ter despachado a feijoada, e o que entra no banheiro percebe no ar a situação deplorável que vai encontrar. Se ele tem uma caixa de fósforos na mão dá para se salvar, mas se não: vai ter de enfrentar a peleia de peito aberto.

Assim foi o intróito da explicação que um cliente deu para começar a falar de sua invenção.

— É verdade! — concordei com ele. E como o assunto estava escatológico mesmo, conclui: às vezes a gente come guisadinho de urubu e não tira a moela. Aí é uma desgraça.

— Pior! — continuou o inventor — é passar aqueles desodorizadores, a mistura fica nauseabunda.

— Pois é! Está escrito na lata: aroma de flores do campo, lavanda etc. O dia que flores do campo tiverem o cheiro que fica no banheiro, o mundo está condenado — ponderei.

— Num dia desses — prosseguiu o inventor — eu estava lendo à Zero Hora dominical no banheiro e percebi que tinha de mudar essa situação.

— Por causa das hemorróidas? — perguntei, lembrando de que não se pode ficar muito tempo sentado no vaso.

— Não! — respondeu. Eu mesmo não estava me agüentando e não tinha levado fósforos. Pensei num exaustor.

— Mas isso não tem nada de novo — ponderei com ele. Aqueles exaustores automáticos que se ligam quando se acende a luz do banheiro são mais velhos que minha avó.

— Não pensei nisso não! — atalhou. O que desenvolvi foi um exaustor acoplado na tampa do sanitário.

O inventor tirou de dentro de uma grande sacola a tampa do vaso sanitário que ele tinha criado. Era um tampa comum cortada longitudinalmente, parte de cima e parte de baixo, emendadas pelo meio e que devia ter uns 15 cm de altura. Tinha uma grande quantidade de orifícios bem na junção da parte de cima com a parte de baixo, pelo lado de dentro e outros pelo lado de fora. Tinha dois exaustores bem pequenos, daqueles que se usam em computadores, que puxavam o ar e faziam-no passar pelos filtros. A tampa era pesada.

— A tampa ainda está muito alta, mas quero ver se consigo diminuir sua espessura — ponderou o cliente.

— Dá para ligar? — perguntei.

— Claro!

Botamos a tampa para funcionar. Fazia o mesmo barulho que os computadores domésticos fazem. Formava uma corrente de ar que era puxada pelos furos internos e expelida pelos furos externos.

— No verão não tem problema, mas no inverno...como fica? — perguntei. Já imaginando o usuário sentado na privada, pleno mês de julho, serra gaúcha, -3ºC lá fora e aquele arzinho gelado resfriando a retaguarda, sendo puxado pelos exaustores.

— Já pensei nisso — disse prontamente o inventor. Basta colocar um conjunto de resistências elétricas dentro da tampa para aquecê-la.

— Não vai ficar muito cara essa tampa?

— É para um público diferenciado.

Mais tarde pesquisando sobre o assunto fiquei impressionado com a grande quantidade dessas tampas que foram patenteadas. Tem tampa para todos os gostos e bolsos. Retornaremos a esse assunto mais tarde.

* * *


quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Como Escrever Bem

Escrever bem é uma arte. Quanto a isso ninguém pode duvidar. No entanto, podemos seguir certas dicas que tornem essa operação mais fácil. Foi exatamente pensando nisso que me passou pela cabeça sugerir cinco dicas para que se possa escrever com arte. Infelizmente, eu mesmo não as sigo, por isso não escrevo muito bem, apenas tento alguns acordes com as palavras. Mas, vamos às dicas:

  • Primeira: Deve-se escrever sobre o que não se conhece (o criador de Tarzan nunca foi à África). Por isso resolvi mandar meu currículo para diversas emissoras para ser comentarista esportivo, particularmente do futebol.

Caro leitor, você não tem noção de como sou ruim em futebol. Perna de pau, manco mesmo. Não é brincadeira. Nunca gostei de futebol (putz, mas não sou “viado”) apenas detesto esse esporte. Fiquei sabendo pela minha mãe que meu pai me deu uma bola quando eu era bem pequeno. A velha disse que olhei para a bola e saí correndo, para o outro lado. O pai olhou para cima e teria comentado:

― Qualé! Ta de sacanagem?

Para dar um basta nessa situação, comecei a estudar as regras do jogo. Afinal, quero ser comentarista. No entanto, são muito confusas. Os jogadores têm posições definidas, mas para quê? Se eles não ficam parados. Vejamos: um jogador é chamado de atacante. Bom. Tecnicamente ele ataca o time adversário para fazer um gol. Aí, vendo uma partida de futebol, vi um goleiro de um time sul-americano (não tenho e menor chance de lembrar o nome) sair correndo do seu gol, passar por todo o campo é mandar uma bola na rede adversária. Como? Ele é goleiro-atacante? Se ele é goleiro ele tem que defender. É muito complicado.

O cara é lateral esquerda. Ele deveria ficar lá. Na lateral esquerda. Mas não fica. O jogador sai dessa posição, atravessa para o outro lado, passa pelo meio do campo e ocupa a zaga. Ah!? Quem? Zaga!

“O zagueiro tem como função marcar os atacantes”. Ta no livro. Piorou. Ele tem que marcar o goleiro adversário ou o seu próprio goleiro?

Fui falar com meu pai. Ele me disse:

― O beque é a defesa central. Ocupa a posição entre a linha média e o gol ― disse o velho com muita experiência.

― Quem é esse beque?

― Beque é o zagueiro.

― Mas que confusão.

Não me dei por vencido. Passei uma tarde inteira zapeando os canais de esporte na TV.

― Credo! O impedimento:

“No futebol, o jogador que recebe o passe não pode estar à frente do penúltimo adversário (incluindo o goleiro) no momento em que este passe sai do pé do companheiro”.

― Mas se o goleiro que também é atacante estiver no outro lado do campo, o lateral esquerda que ocupa a zaga contrária pode marcar o gol sem estar impedido pelo seu goleiro?????? ― SOCORRO!

Tenho chance?

  • Segunda: Ninguém sabe escrever português corretamente. O que a gente consegue é não errar tanto. Por exemplo: não dá para escrever çapato. Aí não tem defesa.
Num dia desses, entre uma caipirinha e outra, meu cunhado, homem de muita inteligência (é engenheiro também) propôs que as palavras devessem ser escritas de acordo com o som que se escuta ao pronunciá-las. Sabe que isso tem muita lógica, pois eliminaria às exceções. Começamos com essa palavra mesmo: exceção. Para que “xc”. Repitam a palavra em voz alta ouçam o som: ouviram. Pois é. Em primeiro lugar, se elimina o “ç”. Depois troca-se o “xc” por “c”, pois ”xc” tem som de “c”. Ninguém pronuncia o “x”. Daí, em vez de “exceção” fica: “ecessão”.

Querem ver outra situação: Chapéu, Xícara, chave. Para que o “ch”. Todas essas palavras têm som de “x”. Elimina-se o “ch” e tudo fica simples. Xave, xapéu, xuxu, Xuxa, enxente, xupeta. Aí, além dessa vantagem, ninguém mais vai escrever errado. Querem ver só: tem ou não tem que pensar para saber como se escreve enchente ou enxente. O som é o mesmo.

Outro encontro complicado é “sc”. Nascer, nascente, esclarescimento. Viram: está errado e nem se deram conta. Elimina-se o “sc”. Fica somente o “s”. Esclaresimento, nasente, naser.

Tigela, tijela, jibóia, gibóia. E aí como é que fica. Põe tudo com o mesmo som: tijela, jibóia, jirafa, jirau, jiló, jarra, jege, etc.

Viram que eu escrevi jege no lugar de jegue. Isso faz parte da minha reforma ortográfica sobre o som das palavras. Ninguém pronuncia o “u” de, por exemplo, “que”. Assim, de acordo com essa linha temos que escrever dessa maneira:

- qe;

-qeijo;

- portugês;

- muinto. Já repararam que a gente pronuncia o “n”, mas não escreve;

- companhia fica: compania;

- kaza, kazamento etc. Fica mais correto, pois o “c” tem som de “k” e o “s” tem som de “z”.


A crase.

Para que crase. É o encontro da preposição mais o artigo. Heim! O que é isso? Vou dar um exemplo:

Pedrinho não gosta de ir à aula.

Pedrinho não gosta de ir a aula.

Faz alguma diferença se o cara não estuda mesmo.



E aquela estória da Bahia.




Ele foi à Bahia.

Ele foi a Bahia.

Qualé. Não sacaneia.

Eu, particularmente, tenho um apresso ao avesso pelos porquês. Em qualquer gramática tem sempre uma observação: “O uso dos porquês e um assunto muito discutido e traz muitas dúvidas”. Vejam vocês se isso é coisa que se diga. Sem nem começar o assunto, já menciona que é duvidoso.

Vejamos:

Por que, porque, por que e por quê.

Sacanagem. Consegue-se perceber alguma diferença entre eles ao se dizer uma frase. O som é o mesmo. Exemplifico:

Por que você não vai ao cinema?

Porque você não vai ao cinema?

As outras duas formas não existem.

― Por que você está conversando?

― O porquê de eu estar conversando é porque não consigo me concentrar no por quê. Nem sei se isso está escrito de modo correto.

Assim, seria bem melhor apenas uma das formas. Penso que seria porque. Claro que sem nenhum assento.

  • Terceira: Mantenha coerência no escrito, mas nunca diga qualquer coisa de modo direto. Melhor: não diga coisa com coisa. Para parecer inteligente tem que dar uma enrolada.

Querem ver só: Aula Magna de um certo presidente de Banco Central:

“A volatilidade dos ativos em aplicações de alto risco, põe em cheque a estabilidade que deveria ser gerada em situações, onde o valor agregado a esses mesmos ativos não sofra uma diferença muito grande entre o dinheiro especulativo e o que serve de base para o lastro em moeda corrente”.

Lindo! Estou todo arrepiado! O cara lê um negócio desses e comenta: “Putz, ainda bem que estamos em boas mãos”. “O cara sabe o que está dizendo”.

Outro exemplo bacana são os discursos políticos.

Eu acompanho a política desde a campanha das Diretas Já. Como eu era muito ingênuo prestava atenção nos discursos políticos. Ficava vidrado nas falas do Brizola, Tancredo, Fernando Henrique, Mário Covas etc. Também tinha um sindicalista barbudo que gritava que nem louco (uma cigana disse que ele tinha muito futuro se não estudasse nada).

Voltando aos discursos, eu me lembro que ficava atento ao que os políticos diziam. Quando davam uma entrevista eu só faltava entrar dentro da TV. Dou um exemplo:

“Evidentemente, que as perdas nacionais para o capital estrangeiro são decorrentes da aplicação inadequada das políticas macroeconômicas, implementadas à revelia das massas que servem apenas para serem conduzidas a uma situação insustentável, onde a concentração de renda atingiu os mais altos índices em toda a história desse país”.

Você escuta uma vez e fica encantado.

― “Esse é o cara. Vai ter o meu voto” ― você pensa.

Escuta duas, três e percebe que o nheco-nheco não muda. O cara não diz nada com nada. Passam vinte e cinco anos e a lorota é a mesma.

Tem um partido político que é mestre em discurso enrolado. Os caras devem ter editado uma Cartilha de Discurso. Nunca vi coisa igual.

“A capilarizão dos recursos para a aplicação dos planos de metas deve ser conseguida sem o espraiamento do dinheiro para as obras essenciais”.

É ou não é de chorar. Eta palavrório bonito!

Por isso, essa dica é tão importante. Tem que se usar palavras estranhas, escrever de modo genérico e totalmente indireto.

  • Quarta: Tem que escrever sobre desgraça. Ninguém ganha um prêmio internacional comentando o desabrochar das Edelweiss nos altos do Mont Blanc.

Essa dica me faz lembrar da minha avó. Ela era uma velhinha muito viajada. Nunca ficava muito tempo num mesmo lugar. Morreu com 94 anos num dia frio de matar. Enterramos a velha e corremos para perto do fogão à lenha, pois não havia condições de ficar no cemitério. O minuano estava de lascar. No dia seguinte voltei lá para verificar se ela não tinha fugido. Sabe com é...

A velha era genial. Se havia alguma tragédia na TV, acidente na rua, tiroteio, estupro, enchente etc., qualquer desgraça mesmo, a velha ia conferir. Depois, botava as mãos na cabeça e dizia:

― Misericórdia! Pobre dos “meserável”!

Acho que isso manteve-a lúcida e boa de prosa até o fim da vida. Pois isso dessa dica. Tem que falar da desgraça. A televisão sabe muito bem disso, principalmente os telejornais. Eta desgraceira. Quando a gente se dá conta está escorrendo sangue da TV.

Os romanos estavam certos. Se fossem vendidos ingressos para ver tragédias, podemos ter certeza de que os estádios estariam lotados.

  • Quinta: Tem que ser politicamente correto.

Essa dica é muito importante, pois evita do escritor entrar em assuntos polêmicos.

Dou exemplos:

Um amigo meu é filho de pai francês. O pai dele foi designado para trabalhar na Argélia, que era colônia francesa até sua independência em 1962. Pois bem, lá ele conheceu uma argelina linda, casou-se com ela. Depois de uns 10 anos, mudou-se com a família para o Brasil e teve um filho aqui. Assim, meu amigo é brasileiro, branco e de olhos claros, mas é afro-descendente (a Argélia fica na África). Por isso resolveu entrar com a papelada para conseguir uma vaga na cota das universidades. Deve conseguir.

Olha como é bacana: Montar o ONG e sair por aí na defesa dos direitos inalienáveis dos ratinhos brancos usados em laboratório. Isso da até manchete. Se duvidar ganha uma verba governamental e cartão coorporativo, tudo nas costas dos ratos.

Vamos escolher um dia. Digamos 4 de outubro. Monta-se uma passeata, tranca todo o trânsito. Tem que ser numa sexta-feira para atrapalhar bastante. Reúne a multidão e se desloca pela avenida mais entulhada da cidade (em POA penso que seja a Farrapos) até o Palácio do Governo. O povaréu reunido gritando para a rataiada. Chegando lá, entrega-se para o governador ou governadora (dependendo do seu Estado, todos eles estão críticos) um manifesto em favor dos ratos. O representante do poder executivo assina o manifesto e ganha de presente uma gaiola com os bichinhos. Eles são tão bonitinhos que certamente os políticos vão se identificar com eles. Sabe, pinta uma coisa de irmandade.

O manifesto tem que ser redigido de acordo com as novas regras de portugês, explicadas na segunda dica.

A Divisória

Quem curte um bom chimarrão sabe muito bem que o mate chega a ser uma profissão de fé, pois o gaúcho pode sair do Rio Grande, mas o Rio Grande não sai do gaúcho.


Para preparar um bom amargo não precisa ser escolado,

Pode ser grosso, fresco ou bem educado;

Mas é necessária a ciência da ceva e do fazer,

Uma boa cuia parceira da bomba tem que ter,


A erva-mate bem verdinha é essencial,

Pura folha, moída grossa ou tradicional,

A água no ponto, quando a chaleira chia;

Nem muito quente nem muito fria,


Sorver o mate com gosto e calma

E um prazer que aconchega a alma.

E quando ronca a cuia, passar além

Para o amigo apreciar também.




Pois bem, depois de anunciado o sujeito e como quem não quer nada, foi logo perguntando de repente:

— Vivente! É por aqui eu se faz patente?

Olhei para o homem; chapéu tapeado na testa, barbicacho no queixo, bota de cano alto e bombacha folgada, mas bem feita.

Respondi logo, pra não fazer desfeita.

— É sim, certamente.

Juvêncio puxou da algibeira uma cuia com bomba e tudo, prontamente.

— Um momento — disse, disposto a mostrar o tal invento.

Servi ao homem um bom mate a contendo.

— Exatamente isso, uma apetrecho novo eu vim lhe mostrar.

A cuia era boa, cortada no ponto, seio moreno bonito de apreciar.

— Não vejo nada de especial — disse ao inventor novato.

Ele pegou uma peça plástica que da cuia imitava o formato.

— Calma doutor, isso vai dentro do porongo, bem encaixado.

A peça era tosca, mas dividia ao meio a erva e a água do outro lado.

— E esses furinhos cá embaixo? — assim com a mão mostrando.

Como uma peneira encostada no fundo da cuia, fui logo apontando.

— Por aí passa somente a água e não desbarranca a erva — explicou.

Analisando mais um pouco o que o inventor revelou.

— Mas, depois de umas cuiadas sobra apenas erva lavada?

Parecia boa a pergunta, mas Juvêncio já tinha a resposta pensada.

— Depois de encher alguns mates, pode tirar a divisória.
Juvêncio pegou a cuia e puxou fora a peça sem muita história.

— Se é só para armar o mate, a peneira tem necessidade?

O inventor coçou a barba mostrando certa ansiedade.

— Não tem problema doutor, os furinhos podemos tirar — disse.

Com isso, a invenção perdia a finalidade e o interesse.

— Ponderei com ele e perguntei: — você quer mesmo depositar?

Juvêncio não gostou e ameaçou se retirar.

— Não fique chateado, estou apenas perguntando.

O inventor levantou-se, botou o chapéu e foi se retirando.

— Não é nada não, pensei que tinha feito uma grande invenção.

Nos despedimos com um bom aperto de mão.

— Volte sempre para uma prosa, boa e franca como se deve ter.

Juvêncio, homem simples, mas verdadeiro, voltou-se e disse: — vou fazer.


O leitor tem que desculpar a rima pobre,

Pois o narrador não é poeta nobre.

É apenas um simples redator

Que teima em ser escritor.

A Vaca


Tinha acabado de me sentar à frente do computador, quando fui avisado de uma visita marcada para mim, à tarde. Era numa cidade perto de Porto Alegre. Mais ou menos uns oitenta quilômetros. Coisa de pouco mais de uma hora de viagem.

Depois da sesta é claro, coloquei-me na estrada. Logo estava chegando na cidadezinha e no endereço anotado. Sabia de antemão que se tratava de um reboque. Mas o inventor não forneceu mais nenhuma informação. Sabem como é: segredo é segredo. E todo o invento vai mudar o mundo.

O lugar era bem bonito. Aberto, um potreiro comprido, um capão de mato ao fundo, e tinha um pavilhão, desses pré-fabricados, onde estaria o invento.

— Boa tarde! — disse meu nome e o motivo porque estava ali, para um rapaz que veio me receber.

— Seu Antônio! — berrou o rapaz — é o homem da patente, me olhando de um jeito esquisito.

Isso é uma coisa que a gente tem que se acostumar nesse ramo: patente para a grande maioria da população é aquela casinha colocada sobre um buraco cavado no chão e que se usa para obrar, em lugares sem saneamento.

— Boa tarde doutor! — me cumprimentou seu Antônio.

— Boa tarde! — respondi o cumprimento com um forte aperto de mão. — Em que posso lhe ajudar?

— Sabe o que é uma vaca parada? — perguntou o homem para mim.

Uma das melhores coisas de ser criança é que a gente sabe tudo. Pode testar. Qualquer assunto. Elas dizem com a maior naturalidade: eu já sei. Ou pior: ficam te olhando com aqueles olhos lindos e você se sente o maior burro do mundo.

No entanto, para criança eu não sirvo mais, mas, mesmo assim, não quis escancarar para o seu Antônio que eu não tinha a menor idéia do que ele estava falando.

— Pois é! — comecei enrolando. — Acredito que o senhor não está se referindo ao gado parado por alguma razão qualquer.

— Sabe o que doutor — começou explicando o homem — nos rodeios, a piazada não pode participar da prova do laço. É muito perigoso para os guris tentarem laçar um bicho solto na mangueira. Por isso, existe o Torneio de Laço de Vaca Parada.

Olhei para o homem me sentindo de fato, o maior burro do mundo. Repeti para mim mesmo: “Torneio de Laço de Vaca Parada”. Fique com receio, mas tive de perguntar:

— O que isso tem a ver com a invenção seu Antônio? — perguntei.

— Vamos lá para o barracão que eu lhe mostro — respondeu.

Dentro do pavilhão, coberto por uma lona estava o invento. Era um chassi com duas rodinhas de um lado e do outro, daquelas de carrinho de mão. Uma armação de tubos subia desse chassi e era soldada formando uma espécie de triângulo. Um pezinho, desses de bicicleta, impedia que a vaca empinasse para frente. Assim, o “bicho” ficara parado em três pontos: as rodinhas e o pé de bicicleta. Mas não era tudo. Uma pele de vaca cobria a armação e na parte da frente tinha uma cabeça de vaca, empalhada. Estava ali, bem na minha frente, a tal da Vaca Parada. O que o pessoal fazia: deixava a Vaca Parada em um lugar na mangueira e a gurizada arremessava o laço de uma certa distância para laçar a cabeça de vaca que ficava: parada. Quem conseguisse o melhor arremesso, ganhava a prova.

Observando o invento, observei que tinha um engate para reboque.

— Para que serve isso? — perguntei.

— Um momentinho doutor que já lhe mostro.

Não demorou muito, seu Antônio saiu dos fundos do pavilhão com uma moto, dessas pequenas, com um cambão na mão. Ele tinha improvisado um engate na moto com o qual fixava o cambão. Na Vaca Parada tinha o engate, onde ele prendia o tal cambão. Assim, era possível rebocar a moto.

Seu Antônio era um homem baixinho e gordinho. Careca e usava um chapéu desses de beijar santo em parede. Sentado na sua moto, rebocando a vaca, que daí não era mais uma Vaca Parada, mas uma Vaca Rebocada, seu Antônio deu uma volta inteira na parte da frente do pavilhão, gritando e puxando a tal da vaca.

— E isso aí! — para que serve.

— E para o treinamento da segunda fase da gurizada doutor. Agora com a vaca andando.

Fiquei imaginando aquele homem entrando numa prova de rodeio, sentado na sua moto, rebocando a vaca e a gurizada atrás dele tentando laçar a cabeça do bicho. O povo todo gritando e fazendo a maior algazarra.

— E aí doutor? — indagou o homem — dá para fazer a patente?

— Mas é claro seu Antônio! — exclamei sorrindo — já tenho até o título: “Disposição construtiva em reboque”.

* * *

A Invenção Perfeita

Feito o mate da manhã (é um hábito que aprendi com meu pai e levei adiante). Normalmente, é uma mateada de manhã e outra pela parte da tarde. A noite não é recomendável, a menos que se queira ir de hora em hora ao banheiro.

O cliente que tinha agendado uma visita logo de manhã já tinha telefonado confirmado-a, por isso, levei a cuia e a térmica para a sala de reuniões e fiquei esperando o sujeito.

Pontualmente, a secretária veio acompanhando o homem.

— O senhor quer um café — perguntou a moça.

— Não, se o engenheiro não se importar tomo um mate com ele — respondeu.

— Mas é claro, chimarrão é para ser compartilhado — respondi.

Falamos um pouco de tudo, do mormaço, política, da economia, resolvemos os problemas do país etc.

— Muito bom, mas em que posso ajudá-lo? — perguntei para o cliente.

— Tenho uma invenção que vai revolucionar o mundo! — afirmou ele com toda a convicção.

Confesso que não me surpreendi, pois de um certo modo todas as invenções revolucionam o mundo, e como já tinha visto tanta coisa....

— De que se trata? — perguntei.

— É um dispositivo que vai acoplado o motor do veículo e serve para economizar combustível — respondeu.

— Isso é muito bom, pois vem bem ao encontro da atual crise de combustíveis — comentei.

— A gente instala o dispositivo no carro e pode fazer a média, é certo, não dá outra: 30% a menos de gasolina e uns 25% a menos de álcool — concluiu o inventor.

— Funciona mesmo? — perguntei para ele um pouco cético. — Essas margens de economia são bem altas.

— Funciona assim mesmo — respondeu ele muito convicto.

— Então vamos fazer à patente — comentei, mas preciso que o senhor me forneça a descrição do dispositivo, desenhos, plantas etc. — Pode ser um desenho de apresentação, sem cotas, mas temos que detalhar o invento.

— A descrição do invento eu já lhe dei — respondeu.

— Não pode ser assim tão simples — comentei. Tem que detalhar mais.

— Ah! Então anota ai — retrucou.

Sabe quando a gente tem aquela sensação de que a coisa vai melar. Quando se come àquele xis que não devia. A voz interior que avisa: “não come isso”. A gente insiste e não dá outra: passa mal. Pois bem, quando o homem me disse isso, tive essa sensação.

— Não é melhor o senhor me passar esse descritivo por e-mail! — enfatizei.

— Não! — disse ele mais enfático ainda.

Resignado, peguei papel e caneta e fiquei esperando.

— Funciona assim: é um dispositivo que a gente acopla ao motor do veículo e serve para economizar combustível — disse o inventor.

Anotei isso, enchi um mate para mim e fiquei esperando pelo resto. O homem ficou me olhando e eu fiquei olhando para ele.

— O que mais? — perguntei.

— Com isso se tem uma economia de 25 a 30% de combustível, dependendo se for álcool ou gasolina — concluiu.

— Certo, isso o senhor já tinha dito — ponderei. E o que mais.

— Acho que o engenheiro não está entendendo — disse o inventor com um tom de ironia.

— Como assim? Trata-se de um economizador de combustível — retruquei.

— Isso mesmo — disse o cliente.

— Ta, mas como é que funciona esse economizador? — perguntei.

— Muito simples — respondeu o homem. Vai acoplado ao motor do carro. E ficou em silêncio.

Acomodei-me na cadeira, fiquei rabiscando a folha de papel com o olhar vazio. O silêncio chegava a ser constrangedor, pelo menos para mim, pois o inventor estava calmo, parecia iluminado.

Fiquei uns instantes sem saber o que fazer, mas a prática ensina certas coisas.

— O senhor tem que detalhar mais sua invenção — comentei — senão, não tenho como fazer o relatório.

Ele me olhou como se não estivesse acreditando no que estava ouvindo e lascou:

— Detalhar mais ainda? — perguntou ele como se eu tivesse dito uma heresia.

A prática foi para as cucuias. Eu não sabia se o cara era louco, se me levantava e ia embora, ou continuava o meu trabalho. Prevaleceu a última opção.

— Não! Seu... Perdoe-me, mas como é o seu nome mesmo? — perguntei meio que me desculpando.

— José!

— Seu José, com essas informações eu não posso fazer o relatório — argumentei.

— Mas o senhor não é engenheiro? — perguntou-me.

Senti que a coisa ia de mal a pior, mas me contive. Não ficaria adequado ter um piti.

— É que essas informações não são suficientes para eu compreender como funciona o seu dispositivo — argumentei.

— Ah! Mas eu não vou lhe explicar tudo de novo — disse o quase ex-cliente, já se levantando e dirigindo-se à porta. Foi um prazer conversar com o senhor — disse seu José se despedindo e retirando-se em seguida.

Tinha certeza de que ele ia sair por aí dizendo que eu era um engenheiro de m... que não entendia de nada.

O pior de tudo: esfriou o meu mate.

* * *

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Medo de Criança


Já falei um pouco da minha avó. Lembram, aquela viajada velhinha. Pois bem, ela era uma grande contadora de estórias.

Certa vez, fomos ao interior do estado para o batizado de uma prima nossa. Ficamos hospedados na chácara de um tio meu, onde a velha morava.

Depois do batizado e da festança do almoço, a velha reuniu a criançada e começou a contar uns causos. Era assombração para um lado, alma penada para o outro, enterro de dinheiro com fantasma cuidando e outras coisas. Ficamos ouvindo as estórias por uma boa parte da tarde.

Terminada a festa, os convidados foram embora e minha mãe teve a ideia de visitar uma tia dela que não via havia anos. Fui acompanhando ela. A visita se estendeu do resto da tarde até um pedaço da noite. Nesse meio tempo, caiu o maior caldo. Choveu, choveu e choveu. As estradas eram aquelas do interior, chão batido mesmo, e tudo virou um lamaçal.

Lá pelas 9 da noite, a mãe resolveu voltar à chácara do meu tio, não queria que ficasse muito tarde. Apesar da distância não ser muito grande, entre as duas casas, tínhamos que passar por uma parte da estrada que era meio deserta. Tinha uma grande subida, depois um descidão, uma curva lá embaixo e outra subida. Aí a estrada passava por um canavial, mais umas duas curvas e chegaríamos à casa do meu tio. A mãe estava com um corcel verde metálico, lembro até do ano: 1974. Na parte da descida foi fácil. Meio escorregávamos para um lado, para o outro, lama pra lá, lama pra cá, mas na descida todo o santo ajuda. No entanto, depois da descida tinha uma baixada e a estrada começava a subir. Aí não teve jeito. O carro tinha tração nas rodas da frente e não houve quem o fizesse subir. Como resultado disso, ficamos atolados lá embaixo, pois dar a volta e tentar subir pela outra parte da estrada também não deu certo.

A mãe desligou o carro para não ficar sem bateria, virou-se para mim e falou:

- Filho! Você segue a estrada e vai até a casa do tio e avisa o pessoal que estamos atolados. Pede que venham nos rebocar com o trator, pois não vamos sair desse atoleiro e não quero deixar o carro aqui.

- Pode deixar mãe que eu volto rapidinho.

O temporal tinha ido embora e deixara uma noite perfeita. A lua cheia iluminava as plantações e a brisa suave fazia as árvores balançarem as copas ritimadamente. Eu andava devagar para não escorregar na lama. Enquanto eu podia ver o carro estava tudo bem, mas depois da subida tinha uma curva e começava o canavial. A cana estava alta, de modo que eu não podia ver por cima dela. A luz cheia pintava tudo com seu brilho prateado. A única coisa que me restava era a estrada lamacenta e o balouçar da cana. Quando entrei na primeira curva dentro do canavial a coisa engrossou. As estórias da minha avó começaram e pular dentro da mente e os fantasmas se ensaiaram. Um calafrio correu a espinha de alto a baixo e o terror começou:

- Que...quem está aí? ? perguntei ao vento.

Ele me respondeu soprando as canas, que faziam um barulho aterrador.

- Fuuuuuuuuuu.

Do alto dos meus 12 anos reuni coragem e perguntei de novo:

- Quem está aí?

O vento respondeu com uma voz saída do inferno:

- Euuuuuuuuuuu.

Ao ouvir isso comecei a correr na lama. Escorreguei, caí, rolei pelo chão. Ao olhar à plantação vi diversas coisas se movendo na cana. Eram as almas penadas da minha avó que tinham vindo me assistir. Não tive dúvida, gritei que nem um louco.

- Socorro! Mãe! Me ajudem!

Já tinha perdido a direção da estrada, não sabia para onde ir. De repente vi um vulto branco que vinha em minha direção.

- Sai pra lá assombração! Não ouvi mais nada e fugi para dentro do canavial.

O vulto flutuou em minha direção. Pude vê-lo com o rabo dos olhos, enquanto corria dentro da plantação. Vocês já tentaram correr dentro de uma plantação de cana? Pois é, a gente se corta todo. Depois de alguns segundos correndo,que me pareceram horas, o canavial terminava em uma cerca de arame farpado junto a um perau. Virei-me com o coração a sair pela boca e percebi que não estava sozinho, a assombração tinha me seguido. Pensei: “vou virar alma penada também”. Não consegui me mover mais. O terror me tirara os movimentos. O fantasma chegou perto de mim, devagar, não tocava o chão, apenas flutuava esbranquiçado por sobre o solo. Preparei-me para morrer.

- Filho!

- Não me leve! ? gritei.

- Felippe! Sou eu! Tua mãe!!! - disse o fantasma com voz suave.

- Ah!?

- O que foi isso?

- Mãe!!

- Quem você achou que era?

Levantei-me e abracei-a chorando. Estava todo enlameado, cortado das folhas da cana, mas: salvo dos fantasmas.

De volta à estrada e no caminho para a casa do meu tio:

- Mãe!

- O que é!

- Me faz um favor!

- Fala.

- Não conta nada pra ninguém.

Ela cumpriu a promessa.

Fiquei sabendo depois que minha mãe tinha ido logo atrás de mim, pois não quis me deixar ir sozinho buscar ajuda. Pode um negócio desses?!

* * *

A Garrafa!

— Tenho uma invenção que vai revolucionar o mercado de bebidas gaseificadas — disse o cliente com muita animação do outro lado da linha.
Contive o meu entusiasmo por poder participar dessa revolução e modestamente perguntei:
— Do que se trata?
— Não posso lhe contar por telefone, pois é muito importante — disse enfaticamente o cliente.
Lasquei-me! Foi o que pensei. No entanto, já estava curioso para saber do que se tratava.
— O senhor vem até o meu escritório, ou eu vou até sua empresa? — perguntei.
— Você vem até aqui. Não posso arriscar que alguém veja o produto.
Endereço na mão e na hora marcada estava eu na empresa do Sr. Eurico. A secretária dele me conduziu até a sala de reuniões, onde eu seria apresentado à invenção.
— Aceita um café engenheiro?
— Pode ser.
Junto com o café veio o Sr. Eurico com uma caixa que largou sobre a mesa.
Apresentações feitas. Fomos logo tratando do que interessava.
— O que a grande maioria das pessoas faz quando abre uma garrafinha ou lata de refrigerante? — perguntou direto o homem.
— Bebe! — respondi de pronto. No entanto, pela expressão do Sr. Eurico, diria que não fui muito feliz na minha resposta.
— Isso vem num segundo momento — corrigiu-me.
Não disse mais nada.
— Pega um canudinho e coloca na garrafa ou na lata para poder beber o refri — concluiu ele.
Continuei sem dizer nada, mas certamente estava escrito na minha cara: “e daí”?
Eurico pegou a caixa e me apresentou a garrafa, objeto de sua invenção.
Era uma dessas garrafinhas comuns de 300 ml com refrigerante. Ele me entregou a garrafa para que eu desse uma analisada.
Olhei, olhei e olhei. A única coisa diferente que notei era a existência de um canudinho dentro da garrafa. Esse tipo de invenção desafia a nossa percepção e nos coloca no limite. É um momento delicado, pois uma palavra mal colocada pode demonstrar, efetivamente, que se está boiando.
Eurico me entregou um abridor, desses bem comuns, e pediu que abrisse a garrafa. Feito isso, tchan, tchan, tchan... O canudinho subiu até uma altura do gargalo, impulsionado pelo gás do refrigerante.
— É uma garrafa de refrigerante com um canudinho dentro? — perguntei.
— Exatamente isso engenheiro — respondeu o inventor.
Enquanto olhava para a invenção, o inventor continuou a explicação:
— A fábrica de refrigerante já envasa o líquido com o canudinho. Quando o usuário abre a garrafa o canudinho já sobe. É mais higiênico, prático e dispensa ter de beber no bico.
— E aí? É possível de se patentear — indagou o inventor.
Fiquei pensando: tem novidade, aplicação industrial e atividade inventiva. Aparentemente não me pareceu ter alguma proibição que impedisse o invento.
— Parece que não tem nada que inviabilize a invenção — respondi. Mas diga-me uma coisa — perguntei: como é colocado o canudinho dentro da garrafa?
Aí desandou a maionese.
— Muito simples — respondeu Eurico: manualmente.
— Como assim! Manualmente? — perguntei.
— É! Um funcionário coloca o canudinho dentro da garrafa e outro fecha-a com a tampa — respondeu.
Fiquei imaginando: centenas de funcionárias numa fábrica de refrigerante colocando canudinho dentro das garrafas e outras centenas fechando-as. As moças estavam acorrentadas pelos tornozelos, o carrasco com um chicote batendo nas suas costas e gritando: “meta o canudinho”, uma chicotada; “na boquinha da garrafa”: outra chicotada. Na outra linha de produção, as moças colocariam a tampinha cada uma com aquelas máquinas manuais do tempo de minha avó. O carrasco gritava: “mete no gargalo”, uma chicotada... Fui interrompido em meu devaneio pela pergunta do inventor.
— Revoluciona ou não a indústria de bebidas? — perguntou com ênfase.
— Não tem uma máquina para colocar os canudinhos dentro das garrafinhas? — perguntei.
— Não pensei nisso! — respondeu o inventor.
— Com certeza revoluciona! — respondi.
* * *

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Prólogo no hospício

Personagens:

- Autor;

- Eu;

- Eu Mesmo;

- O Corpo.

Primeiro Ato

O Autor acorda de madrugada atormentado com uns pensamentos e não consegue mais dormir. Levanta e vai escrever. Encontra com os outros personagens com quem começa a conversar. O palco está bem iluminado. fora começa uma chuva bem fina.

Autor: ― Caro leitor. é de algum tempo que gostaria de escrever uma peça de teatro, mas nunca tive coragem. Dessa forma, estou fazendo isso de madrugada para que ninguém me veja.

Eu: ― Tolinho, eu estou aqui. Não tens como fugir de mim.

Autor: ― Pelo menos é um .

Eu Mesmo: ― Alto , eu também estou aqui.

Autor: ― Sempre soube da existência de vocês. Acho que tenho dupla personalidade.

Corpo: Mantém-se quieto. Apenas arruma-se na cadeira.

Eu: ― Nada como ter uma dupla personalidade. Pode-se discutir consigo mesmo.

Eu mesmo: ― É verdade! E o bom disso é que a dupla personalidade pode se dividir em dois ou mais sujeitos.

Eu mesmo dá uma risada cínica.

Autor: ― Não vou nem comentar uma frase dessas.

Eu: ― Isso me deu uma ideia!

Eu Mesmo: Qual!

Eu: ― Escrever sobre coisas da matemática.

Autor: ― Estás pensando em fazer o quê?

Eu: Não sei bem ao certo, mas que tal criarmos um Cantinho da Matemática!

Eu Mesmo: ― Vou embora!

Eu: ― Por quê?

Eu Mesmo: ― Que coisa mais bicha: “Cantinho da Matemática”. Tem que ter umas pegadinhas cor-de-rosa feitas por um coelhinho branco de olhos vermelhos.

Autor: ― Vocês querem ficar quietos. Gostei da ideia.

Corpo: Levanta-se e vai ao banheiro.


Segundo Ato

O Corpo volta do banheiro mergulhado em conjecturas. EncontraEu” explicando paraEu Mesmo” e para o “Autor” o escopo da sua ideia. O Corpo fica em ouvindo a explicação.

Eu: ― Você não tem mesmo jeito. Nunca teve mesmo fineza.

Eu Mesmo: ― Ei! Quem é essa tal de "Você".

Eu: ― Apenas estava me referindo a você mesmo. É modo de dizer.

Eu Mesmo: Ufa! Cheguei a pensar que havia mais alguém aqui. Isso aqui está ficando lotado.

Autor: ― Parem com isso. Quero saber mais sobre esse tal “Cantinho”.

Eu: ― Pois é! Como o Autor fez matemática quem sabe nós não reservamos um espaço para escrever sobre curiosidade e outras coisas sobre esse tema.

Eu Mesmo: ― Isso parece ser bom, mas tinha que ter um nome tão aboiolado?

Autor: ― Se for o caso podemos escolher outro nome.

Eu Mesmo volta-se para Eu e pergunta: Tudo bem. O quevocê” está pensando?

Eu: Vocês sabem que todos os números são interessantes. Por isso, penso eu, que podíamos explicar um pouco sobre o que isso quer dizer.

Autor: Magnífica ideia! Podemos demonstrar porque os números são interessantes.

Eu: ― Não cheguei a pensar em fazer uma demonstração formal.

Autor: ― Não precisa ser formal do ponto de vista lógico-formal. Apenas que seja interessante a prova, pois nem todo o leitor está familiarizado com matemática.

Eu mesmo: ― Então! O que estamos esperando?

O Corpo levanta-se e desce para comer uma banana.


Terceiro Ato

O Corpo entra pela direita do palco. Está comendo uma banana, coloca os óculos e volta a escrever. Como está frio pega o pala e se enrola nele. Puxa a cadeira para perto do computador e retoma o assunto. Os outros personagens chegam-se perto da mesa.

Autor: ― Quem vai começar?

Eu: ― que a ideia foi minha, começo eu: O primeiro número interessante é o zero.

Eu Mesmo: ― Alto ! Zero nem pode ser considerado um número. Indica apenas a inexistência

Autor: Tudo bem, mas para fins didáticos podemos considerar como sendo um número.

Eu: ― Exatamente. Zero é interessante por conta disso. É um número que não é número.

Eu Mesmo: ― O número 1 também é um número interessante.

Autor: ― É verdade. Há quem diga que é o único número existente, pois os outros são derivações desse 1.

Eu: ― Além disso, tem toda uma simbologia associada a ele. Deus é a unidade de onde tudo deriva.

Eu Mesmo: ― Falou bonito!

Autor: ― Dois também é um número interessante, pois é o primeiro número primo par.

Eu: ― Para ser mais exato, é o único número primo par. Nenhum outro número primo pode ser dividido por 2.

Eu Mesmo: O número 3 é muito interessante, pois é o primeiro número primo ímpar.

Autor: ― É impressionante, pois depois do 3 todos os outros números serão ímpares.

Eu: ― Gosto do número 4, pois é o primeiro quadrado perfeito.

Eu Mesmo: ― Também pode ser considerado o número associado à matéria.

Autor: ― Não vamos misturas as coisas, pois nossa demonstração não pode descambar para o misticismo.

Ainda o Autor: O número 5 é particularmente interessante, pois provêm da soma do único número primo par com o primeiro número primo ímpar.

Eu: ― Além disso, nossas mãos somam dez dedos, origem da base 10 nas contas.

Nesse ponto o Corpo reclama que está cansado. Exige que os outros personagens se retirem para que ele possa descansar.


Quarto Ato

O Corpo faz um pequeno cochilo. Está a beira da ruína, mas entra em cena pelo lado esquerdo do palco. A mesa está arrumada com quatro cadeiras. O computador está ligado e o autor está zoando pela Internet. A madrugada corre solta.

Eu Mmesmo: ― Retomando de onde nós tínhamos parado, acho o número 6 muito interessante, pois é o primeiro número perfeito.

Autor: ― Tens toda a razão, pois 6 pode ser obtido a partir da soma de seus divisores inteiros excluindo ele próprio.

Eu Mesmo: ― Pois é, 1+2+3=6.

Eu: ― Bem, dando continuidade, temos que o número 7 é um número interessante, uma vez que resulta da soma do primeiro número primo ímpar com o quadrado do único número primo par.

Autor: ― Gosto também do número 8.

Eu Mesmo: ― Não vejo nada de interessante nele!

Autor: ― Como não! Ele é gerado de diversas maneiras. Cada uma delas mais interessante do que a outra. Por exemplo, é a soma do primeiro número perfeito com o único número primo par que existe.

Eu: ― Concordo. isso lhecrédito para ser chamado de número interessante.

Eu Mesmo: ― O número 9, esse sim é importante! Além de ser quadrado perfeito do primeiro número primo ímpar é o último número que não é escrito pela repetição dos demais.

Autor: ― De fato. Todos os outros números são agrupamentos dos números de 0 até 9.

Eu: ― Bem, acho que essa demonstração enfoca bem o que eu queria com o “Cantinho da Matemática”.

Eu Mesmo: ― Ainda detesto esse nome.

Autor: ― Não enche!


Encerramento

O Corpo pende da cadeira para um lado, pois está muito cansado. Eu, Eu Mesmo e o Autor correm para impedir que o corpo caia no chão. O Autor acha por bem desligar o computador e por o Corpo para dormir. Eu Mesmo e Eu concordam com isso. A luz do palco vai diminuindo lentamente até ficar completamente escuro.

Os quatro atores vão para a ribalta na esperança de receberem os aplausos.

Fim