INTRODUÇÃO


Tudo começou lá pelos idos de 1989, onde eu lecionava matemática em uma escola de 2° grau. Era uma sexta-feira e os dois últimos períodos da noite sempre eram de matemática, física ou português, pois se colocassem outras disciplinas não ficava ninguém. Numa das aulas, em um intervalo, um aluno meu indagou-me sobre o que eu sabia de patentes. Prontamente respondi o que se aprendia na engenharia: o básico do assunto. O aluno me disse: “serve”. Ele trabalhava como vendedor em uma empresa do ramo, captando clientes que necessitassem do serviço em marcas e patentes. Convidou-me para conhecer a empresa e conversando com seu titular acabei aceitando o trabalho de redator em patentes. Gostei do assunto e dediquei-me: cursos, legislação, técnicas de redação e outras necessidades. Quando terminei e engenharia, eu e minha futura esposa, resolvemos montar uma empresa especializada no assunto. Ela ficaria com o administrativo (para o bem de todos, pois eu não sei nem pedir cheque em banco) e eu ficaria com a parte de patentes. Depois de duas décadas nesse trabalho e milhares de patentes redigidas, veio a ideia de selecionar as mais originais e publicá-las numa espécie de anedotário. O objetivo é mostrar a grande criatividade do brasileiro, que não deixa desejar a nenhum outro povo, além de divulgar o trabalho de marcas e patentes de um modo menos sisudo. Todas as patentes que foram citadas nesses contos já estão em domínio público. Os nomes dos inventores foram mudados para garantir privacidade e o meu pescoço. Minha esposa não quis aparecer e me ameaçou com direitos autorais caso divulgasse seu nome sem autorização.
Espero que apreciem essas pequenas histórias.

Escolha o assunto ao lado, em "Marcadores" e, divirta-se!

terça-feira, 6 de julho de 2010

O especialista

O especialista

Por favor, entre engenheiro.

O lugar era bem aconchegante. Revelava a veia mística do Me. Almaj Kayan. Certamente esse não era seu nome, mas não quis entrar nesse assunto. Certas particularidades é melhor não saber.

— Aceitas um chá? — perguntou-me Kayan.

— Aceito. Fiquei sabendo depois que era de uma flor que nascia no Himalaia e que podia ser colhida em certa lua. Acho que era isso.

— No que posso lhe ajudar? — perguntei para o homem. Afinal de contas ele não quis me revelar qual era a sua invenção. Tinha alguma coisa com momento auspicioso.

— Tive uma epifania peritanática.

Olhei para o sujeito sem saber o que fazer. Tive receio de perguntar se aquilo era uma doença grave, se era contagiosa etc. Fiquei sabendo, ato contínuo, que não era nada disso. O homem adivinhou pela minha cara de tonto que em não sabia do que ele estava falando e foi logo explicando.

— Uma epifania peritanática é uma experiência de quase morte — começou explicando Me. Kayan. Há tempos atrás tive um acidente de carro. Fiquei clinicamente morto por três minutos. Uma eternidade nesses casos. Senti-me flutuando fora do corpo, olhando tudo que acontecia de cima. Não tive medo, pois estavam sempre presentes comigo seres com asas, angelicais. Depois descobri que eram fadas.

E eu tomando chá com os olhos arregalados, mais um pouco me escondia dentro da xícara.

Me. Kayan continuou:

Depois, os paramédicos que me atenderam conseguiram me reviver, se é que posso chamar assim. Essa experiência mudou completamente a minha vida. Principalmente o contato com as fadas. Tanto que comecei a estudar o assunto e me tornei um fadólogo.

Quem!? O quê!? — Por favor seu Kayan, não sei o que quer dizer isso!

Um fadólogo é um especialista sobre a forma e a cor exata das asas das fadas.

“Essa pesou”! — foi o que pensei depois de ouvir um trem desses. Afundei-me na poltrona sem ter a menor noção do que fazer. Olhei para o Me. Kayan e meu eu perguntou para mim mesmo:

— “E especialista”! “O que tu vais fazer”?

Mandei esse chato, que de certa maneira sou eu mesmo, calar a boca (ele não tem boca, mas fala) e perguntei:

— Dr. Almaj Kayan! Trabalho com propriedade industrial, patentes, essas coisas, e não consigo entender o que esses acontecimentos todos têm a ver comigo.

Doutor não. Mestre — corrigiu-me. vou chegar a esse ponto — continuou explicando. Depois de muito estudar, consegui desenvolver um método matemático para determinar com precisão o tamanho das asas das fadas. Exatamente esse método que eu quero proteger, e tirou de dentro de uma pasta um alfarrábio cheio de cálculos.

Pois é caro leitor! Conclui que o sujeito tava dando cogumelo alucinógeno para as vacas e depois fumava a bosta seca. Mas graças à longa experiência desse humilde narrador, o que o Me. Kayan buscava era proteger um método matemático. “Estou salvo”! — foi o que pensei e fui logo explicando para ele:

Me. Kayan! A nossa legislação de propriedade industrial não admite proteção para métodos matemáticos, de comércio e essas coisas, artigo 10, ta no livro.

Não!?

Senti toda a frustração desse não, mas para mim era uma tábua de salvação e uma maneira de eu escapulir dessa doideira toda.

Pois é! — disse. Não temos como fazer uma patente desse seu trabalho.

Mesmo assim, deixe-me explicar bem o meu trabalho — continuou Me. Kayan orgulhoso, abrindo o manuscrito e me mostrando todos os seus cálculos.

Eu fiz matemática na faculdade, mas o que o homem tinha feito era de causar admiração em qualquer professor de cálculo. Não entendi porcaria nenhuma. O Me. tinha calculado com precisão que uma fada de 15 cm de altura tinha que ter asas de 7 cm para poder voar. Olhei para aquele monte de números e menti deslavadamente que concordava com ele. Sabe com é: louco é melhor não contrariar.

— Interessante o seu trabalho seu Kayan, mas não posso fazer nada. Aliás, tenho outra reunião agora. estou atrasado.

— Fica mais um pouco engenheiro — ponderou meu anfitrião. Quero lhe mostrar um trabalho sobre velocidade de vôo delas.

Pena! Não vai dar. Tenho de ir. É a outra reunião. Fica para a próxima vez.

Saí dali a passos rápidos. Depois de uma olhadela para trás, pus-me a correr com medo de que o homem me seguisse. Sei .

P.S.

Para maiores esclarecimentos sobre epifanias peritanáticas consultar “O Cérebro de Broca” – Carl Sagan.

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