INTRODUÇÃO


Tudo começou lá pelos idos de 1989, onde eu lecionava matemática em uma escola de 2° grau. Era uma sexta-feira e os dois últimos períodos da noite sempre eram de matemática, física ou português, pois se colocassem outras disciplinas não ficava ninguém. Numa das aulas, em um intervalo, um aluno meu indagou-me sobre o que eu sabia de patentes. Prontamente respondi o que se aprendia na engenharia: o básico do assunto. O aluno me disse: “serve”. Ele trabalhava como vendedor em uma empresa do ramo, captando clientes que necessitassem do serviço em marcas e patentes. Convidou-me para conhecer a empresa e conversando com seu titular acabei aceitando o trabalho de redator em patentes. Gostei do assunto e dediquei-me: cursos, legislação, técnicas de redação e outras necessidades. Quando terminei e engenharia, eu e minha futura esposa, resolvemos montar uma empresa especializada no assunto. Ela ficaria com o administrativo (para o bem de todos, pois eu não sei nem pedir cheque em banco) e eu ficaria com a parte de patentes. Depois de duas décadas nesse trabalho e milhares de patentes redigidas, veio a ideia de selecionar as mais originais e publicá-las numa espécie de anedotário. O objetivo é mostrar a grande criatividade do brasileiro, que não deixa desejar a nenhum outro povo, além de divulgar o trabalho de marcas e patentes de um modo menos sisudo. Todas as patentes que foram citadas nesses contos já estão em domínio público. Os nomes dos inventores foram mudados para garantir privacidade e o meu pescoço. Minha esposa não quis aparecer e me ameaçou com direitos autorais caso divulgasse seu nome sem autorização.
Espero que apreciem essas pequenas histórias.

Escolha o assunto ao lado, em "Marcadores" e, divirta-se!

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

PRÓLOGO NO PARAÍSO

Prólogo no paraíso (o céu está fechado para reformas)

Eu não desisto. Vou encenar mais uma peça. Talvez seja queimado por àqueles que guardam a moral e os bons costumes, mas fazer o quê?

Primeiro Ato

Personagens:

- Deus
- Lúcifer (é melhor chamá-lo assim, pois não tem nada pior do que um pobre diabo)

Estamos no início do sexto dia. Deus já tinha criado todas as coisas, mas faltava o homem.
Lúcifer está sentado em um banquinho cortando as unas dos pés embaixo de uma macieira. O dia está bonito, temperatura boa, brisa suave, os pássaros estão ensaiando os primeiros acordes etc.
De repente, treme a terra, o vento sopra, o céu escurece e a sarça arde. Deus se faz presente:

Lúcifer: ― Tinha que ser você! Para que tanto espalhafato? Não dá para chegar de mansinho?
Deus: ― Gosto dos efeitos especiais. E, além disso, estou treinando minha aparição para o Moisés.
Lúcifer: ― Àquele cara do balaio, rio Nilo, Egito?
Deus: ― Como é que você sabe?
Lúcifer: ― Tenho os meus informantes! Sabe como é. Um bom serviço de informações é essencial hoje em dia.
Deus: ― Gabriel! Não dá pra confiar nos anjos. Qualquer coisa eles saem anunciando. É anunciação pra lá é anunciação pra cá.
Lúcifer: ― Não é só isso! Você não imagina o poder de umas caipirinhas.
Deus: ― Caipirinha?
Lúcifer: ― É um negócio que inventei. O Gabriel está me ajudando a testar. Dá uma bicadinha.
Deus: ― Hum! É melhor descascar o limão. Fica menos amargo. Mas veja bem o que você vai fazer. Estou planejando umas aparições dele para uma mulher e um profeta. Não vai me estragar o cara. Não tem nada pior do que beber em serviço.
Lúcifer: ― Deixa comigo! Sou um cara de confiança. Mas você não veio aqui só para olhar os meus lindos olhos.
Deus: ― Não! Trouxe um novo projeto. Quero discutir contigo.

Deus abre uma folha de papel com uns desenhos contidos nela. O computador não tinha sido inventado ainda. Laptop então...

Lúcifer: ― Ah! Esse projeto. Não gostei desde o início. Essa história de criar o homem não vai dar certo.
Deus: ― Qual é! Que cara mais negativo. Nem olhou direito e já diz que não presta.
Lúcifer: ― Não é isso! Eu é que vou ter de tentar essa coisa aí.
Deus: ― Qual é problema.
Lúcifer: ― Você precisava fazê-lo com três pernas. Está me estranhado?
Deus: ― Preconceituoso.
Lúcifer: ― Nada disso. É que vai pintar um conflito: cobra com cobra. Vai ser uma loucura: cobra pra lá cobra pra cá, escorrega ali escorrega aqui. ― Você não tem outra coisa?

Deus puxa de dentro de uma sacola outra folha de papel.

Lúcifer: ― Ah! A mulher. Bem melhor. Posso dar uns palpites?
Deus: ― Claro! Trouxe esses projetos para discutir contigo, meu fiel braço direito. He! He! He!
Lúcifer: ― Vai ficar melhor somente com dois seios. Três fica muito esquisito.
Deus: ― Talvez você tenha razão. Pode rabiscar aí do lado.
Lúcifer: ― O que é isso?
Deus: ― Cabelos!
Lúcifer: ― Nas pernas! Tanto assim? Está parecendo uma macaca. Depois é aquela reclamação com a depilação. Eu se fosse você deixava somente um tufo no meio delas. Dá para fazer cada desenho bonitinho: triângulo, coração...
Deus: ― Olha o cara ai?
Lúcifer: ― Só estou fazendo o meu trabalho. Outra coisa: o que é isso aqui atrás?
Deus: ― A bunda.
Lúcifer: ― Sem comentários. Além de mal feita está muito caída.
Deus: ― Fiz assim só para que ela possa sentar.
Lúcifer: ― Putz! Você não entende nada de sedução.

Lúcifer puxa o projeto para si e começa a rabiscar um desenho.

Deus: ― Você dividiu-a no meio?
Lúcifer: ― Num fio dental vai ficar uma beleza. Você vai ver.
Deus: ― Está muito arrebitada!
Lúcifer: ― Não vou nem comentar.
Deus: ― Saco!! Você está mudando todo o desenho original! Tem alguma coisa que você gostou?
Lúcifer: ― A boca ficou boa. Os olhos oblíquos e dissimulados estão uma beleza e o nariz está ótimo.

Lúcifer pede para Deus fazer a mulher andar. Virtualmente é claro, pois o projeto ainda não tinha sido aprovado. Sabe como é: matriz barata só na China.

Lúcifer: ― Não te falei! Olha só que rebolado.
Deus: ― O quadril está muito grande e a cintura muito fina.
Lúcifer: ― Deixa assim. Fica parecendo um violão.
Deus: ― Posso produzir?
Lúcifer: ― Deixa eu olhar mais um pouquinho. Afinal, sou eu quem vai tentá-la.
Deus: ― Vamos cara! Não tenho o dia todo. Amanhã é domingo e prometi ir bater uma bolinha com a turma.
Lúcifer: ― Em nome de Deus! O que é isso?
Deus: ― Debochado! São os pés.
Lúcifer: ― Você está louco. Se essa criatura morrer em pé não cai.
Deus: ― Tem que ter uma boa base.
Lúcifer: ― Vamos fazer um pezinho delicado. Não sacrifica.
Deus: ― Chega!
Lúcifer: ― Aprovado. Ta uma beleza.

Deus enrola os projetos e ameaça ir embora.

Lúcifer: ― Peraí! Eu não assinei a co-autoria. Tem a questão dos direitos autorais.
Deus: ― Você está me gozando?
Lúcifer: ― Não! Eu não vou assinar o projeto????
Deus: ― Estás brincando! Depois vão dizer por aí que a mulher é coisa do demônio.

Deus, cheio de si mesmo, desaparece em uma nuvem perfumada. Lúcifer fica sozinho com cara de babaca.

Lúcifer: ― Depois sou eu. Não dá pra confiar em ninguém. Mas vai ter volta.

Fim do primeiro ato.

* * *