INTRODUÇÃO


Tudo começou lá pelos idos de 1989, onde eu lecionava matemática em uma escola de 2° grau. Era uma sexta-feira e os dois últimos períodos da noite sempre eram de matemática, física ou português, pois se colocassem outras disciplinas não ficava ninguém. Numa das aulas, em um intervalo, um aluno meu indagou-me sobre o que eu sabia de patentes. Prontamente respondi o que se aprendia na engenharia: o básico do assunto. O aluno me disse: “serve”. Ele trabalhava como vendedor em uma empresa do ramo, captando clientes que necessitassem do serviço em marcas e patentes. Convidou-me para conhecer a empresa e conversando com seu titular acabei aceitando o trabalho de redator em patentes. Gostei do assunto e dediquei-me: cursos, legislação, técnicas de redação e outras necessidades. Quando terminei e engenharia, eu e minha futura esposa, resolvemos montar uma empresa especializada no assunto. Ela ficaria com o administrativo (para o bem de todos, pois eu não sei nem pedir cheque em banco) e eu ficaria com a parte de patentes. Depois de duas décadas nesse trabalho e milhares de patentes redigidas, veio a ideia de selecionar as mais originais e publicá-las numa espécie de anedotário. O objetivo é mostrar a grande criatividade do brasileiro, que não deixa desejar a nenhum outro povo, além de divulgar o trabalho de marcas e patentes de um modo menos sisudo. Todas as patentes que foram citadas nesses contos já estão em domínio público. Os nomes dos inventores foram mudados para garantir privacidade e o meu pescoço. Minha esposa não quis aparecer e me ameaçou com direitos autorais caso divulgasse seu nome sem autorização.
Espero que apreciem essas pequenas histórias.

Escolha o assunto ao lado, em "Marcadores" e, divirta-se!

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O GRANDE ALINHAMENTO

O grande alinhamento

Fui até o consultório do Dr. Dalcimar conforme tinha sido agendada à visita. Era uma tarde muito agradável de outono e me fez lembrar de uma prosa que tive com uma simpática velhinha sobre o tempo. Ela me disse:

Meu jovem! A estação do ano que eu mais gosto é o outono.

Por que? — perguntei intrigado, pois sempre acreditei que seria a primavera.

— O inverno no sul é muito frio e úmido, a gente se gripa, não pode sair de casa é um horror.

Quanto a isso a senhora tem razão.

— O verão gaúcho é muito quente. Tem aqueles dias de mormaço que a gente parece que vai morrer de calor.

Bem! Sobra à primavera — conclui de pronto.

Não meu filho — disse-me ela — na primavera venta muito. A ventania termina em finados.

Lembrando dessa conversa e do bom humor da velhinha, cheguei no consultório rindo.

A secretária do doutor me conduziu até uma sala de reuniões, onde fiquei esperando por uns instantes até a chegada do homem. Enquanto isso, os olhos passeavam pelas paredes e percebi a grande quantidade de diplomas que elas continham.

Dalcimar entrou esvoaçando na sala. Esvoaçando mesmo, pois àquela roupa que ele usava: não sei não...devia ser uma desgraça em dia de vento.

— Aceitas um chá de maçã verde, querido! — perguntou-me. O café deixa-nos muito agitado — concluiu.

— Pode ser!

Veio o chá e ele começou a me contar o motivo pelo qual me chamou.

Quando estive em Machu Picchu, ao contemplar a cidade peruana, era como se estivesse voltando para casa. Senti uma força dentro de mim tão grande que quase desmaiei — disse.

— Olhei dentro da xícara de chá, concentrei-me e respondi: — É mesmo amiga, me conta o resto... (mentira, isso eu não disse). Limitei-me apenas a tomar o chá.

— Essa experiência mudou minha vida — continuou Dalcimar explicando.

— Sei!

Depois desse encontro místico passei a contemplar o mundo de um modo mais holístico — continuou. Fiz diversos cursos sobre florais, cromoterapia, cristais, terapia de vidas passadas, astrologia etc.

— Hum! Mas, onde é que se encaixam as patentes? — perguntei.

vou te introduzir o assunto!

olhei para ele.

Dalcimar continuou explicando:

— Os cristais têm propriedades importantes.

Pensei com os meus botões: certamente não tem nada a ver com cristalografia, mas... — Isso é certo! — respondi.

— As cores e os cristais têm grande influência no estado de higidez da pessoa, onde comportamentos psico-somáticos podem ser afastados pela simples manipulação adequada desses elementos.

Falou bonito heim! Também, esse monte de diplomas nas paredes tinha que servir para alguma coisa. pensei e continuei a espera do desenrolar dos fatos. Pedi mais chá, por questão de estratégia e porque estava bom mesmo.

Sempre tratei meus pacientes com terapias separadas: cores, florais, aromas etc. Percebi que a união de todos esse princípio era mais eficiente por causa da unidade da diversidade.

O homem tava inspirado. Devia ser por causa do tempo. Minha avó dizia que: “véspera de chuva deixa as mariposas agitadas”.

Continuou:

— As propriedades terapêuticas de cada cor agem sobre os campos energéticos dos Chakras, corrigindo e reativando o campo vibratório celular — conclui Dalcimar. a aromaterapia consiste em tratar doenças com a ajuda de óleos essenciais dos vegetais — ponderou.

Pedi mais uma xícara de chá.

Porque o vermelho aumenta a energia vital, o rosa ativa a energia amorosa, o laranja proporciona maior alegria, o azul acalma, o rosa forte desobstrui as veias, o branco é a inocência...

Nem perguntei nada, deixei o homem falar, pois do jeito que ele estava afetado, não ia adiantar mesmo.

— Desenvolvi um aparelho onde um feixe de luz incide em um cristal e se projeta ampliado.

Tive vontade de dizer que o laser tinha sido inventado há muito tempo, mas...deixa assim.

— Podemos utilizar sempre um cristal branco, mudando a cor da luz que incide sobre ele, mediante luz vermelha, amarela etc., ou usando uma luz branca sobre umas placas de vidro colorido, para simular o efeito que teria a luz na cor desejada.

— Sei! Pedi mais chá.

Como a luz esquenta o cristal, se pode colocar sobre um coletor umas gotas de óleos aromáticos — explicou Dalcimar, para que possamos combinar a cromoterapia com aromaterapia.

Dalcimar continuou discorrendo sobre os benefícios dessas terapias todas e, depois de terminar, perguntou:

— Pode-se fazer patente desse aparelho?

Claro que sim. Não me parece haver nenhum impeditivo legal nisso, vou verificar se não tem anterioridades — conclui.

Ui! Que maravilha! — disse. Vamos fazer à patente.

Dalcimar me trouxe um aparelhinho azul profundo com escritos dourados, lindo. Ligava na luz.

Terminamos à conversa, peguei o aparelho de cromoterapia combinada a aromaterapia e me levantei para ir embora.

— Vou te deixar meu telefone celular, me liga.

Agradeci e me retirei rapidamente. Foi correndo para o escritório. Precisava urgentemente um banheiro. Depois de quatro xícaras de chá estava me mijando.

* * *

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Telefone celular

O telefone celular

Inventei um celular! — disse o cliente. — Alô! Alô, engenheiro! Está me ouvindo? — repetiu.

Fiquei em silêncio alguns segundos. Tive ímpetos de contar para ele que o celular tinha sido inventado, mas fiquei com pena de destruir algum sonho de infância e resolvi ouvir o resto da história.

Celular! Sei. Desculpe-me, mas creio que não sei o seu nome?

— Joaquim!

No mínimo é gozação, eu pensei, mas fui adiante.

Seu Joaquim, você vai ter de ser mais preciso. O que exatamente o senhor inventou.

Um celular para a terceira idade!

— Ai, ai, ai! — exclamei para mim mesmo, isso vai render. — Diga-me o que tem de novo nesse seu telefone? — perguntei.

Seu Joaquim foi logo me explicando os motivos da invenção.

— Os mais velhinhos não estão acostumados com computador, telefone celular e outras coisas tecnológicas.

Isso é verdade, a tecnologia muda às coisas com muita rapidez e os mais velhos têm dificuldade em acompanhar isso.

Pois é! Pensando nisso resolvi criar um telefone que fosse mais fácil para eles.

Legal! Mas qual é a novidade? — perguntei para o seu Joaquim.

— Os velhinhos têm sempre dificuldade em ver os números do telefone, pois eles são muito pequenos. , eles têm de pegar os óculos para fazer uma ligação, mas às vezes não estão com os óculos por perto. Por isso criei um telefone que vem com uma lente de aumento junto.

— Deixa-me ver se entendi direito! Junto com o telefone vem uma lente de aumento. Daquelas lentes redondas que as crianças brincam de queimar papel com o sol?

— Essas mesmo. Assim, os velhinhos não vão precisar procurar os óculos para ver os números do telefone.

Sabia que isso ia render, mas...

Seu Joaquim! Mas isso não é uma invenção, pois basta comprar uma lente no comércio e carregar junto. No entanto, fica-se na mesma. É como ter de carregar os óculos.

Não é isso não! — exclamou o inventor. A lente vem junto com o telefone acoplada nele. Basta abrir o compartimento e tirar a lente para usá-la.

Como assim! Um compartimento?

— É! Uma gavetinha que se puxa de dentro do celular e se retira a lente de .

Então não dá?

Não é que não para fazer, mas creio que é pouco prático e a idéia pode não pegar.

— Ah! Mas tem mais uma coisa.

— O que é seu Joaquim.

— O telefone também é a provaágua.

Silêncio meu do outro lado da linha.

Seu Joaquim. Para que fazer um telefone à provaágua.

Para o telefone não estragar com a água.

Eu sei o que é a provaágua, mas qual a razão para se fazer isso.

Para telefonar debaixo do chuveiro ou na chuva.

E . O que se faz numa hora dessas?

Como o senhor pretende fazer isso? — perguntei.

Colocar o telefone em um saco plástico selado — respondeu sem piedade.

Não judia de mim seu Joaquim.

— O senhor não quer é me ajudar — respondeu o ex-cliente de modo seco.

O cara ainda ficou brabo comigo.

* * *

terça-feira, 6 de julho de 2010

O especialista

O especialista

Por favor, entre engenheiro.

O lugar era bem aconchegante. Revelava a veia mística do Me. Almaj Kayan. Certamente esse não era seu nome, mas não quis entrar nesse assunto. Certas particularidades é melhor não saber.

— Aceitas um chá? — perguntou-me Kayan.

— Aceito. Fiquei sabendo depois que era de uma flor que nascia no Himalaia e que podia ser colhida em certa lua. Acho que era isso.

— No que posso lhe ajudar? — perguntei para o homem. Afinal de contas ele não quis me revelar qual era a sua invenção. Tinha alguma coisa com momento auspicioso.

— Tive uma epifania peritanática.

Olhei para o sujeito sem saber o que fazer. Tive receio de perguntar se aquilo era uma doença grave, se era contagiosa etc. Fiquei sabendo, ato contínuo, que não era nada disso. O homem adivinhou pela minha cara de tonto que em não sabia do que ele estava falando e foi logo explicando.

— Uma epifania peritanática é uma experiência de quase morte — começou explicando Me. Kayan. Há tempos atrás tive um acidente de carro. Fiquei clinicamente morto por três minutos. Uma eternidade nesses casos. Senti-me flutuando fora do corpo, olhando tudo que acontecia de cima. Não tive medo, pois estavam sempre presentes comigo seres com asas, angelicais. Depois descobri que eram fadas.

E eu tomando chá com os olhos arregalados, mais um pouco me escondia dentro da xícara.

Me. Kayan continuou:

Depois, os paramédicos que me atenderam conseguiram me reviver, se é que posso chamar assim. Essa experiência mudou completamente a minha vida. Principalmente o contato com as fadas. Tanto que comecei a estudar o assunto e me tornei um fadólogo.

Quem!? O quê!? — Por favor seu Kayan, não sei o que quer dizer isso!

Um fadólogo é um especialista sobre a forma e a cor exata das asas das fadas.

“Essa pesou”! — foi o que pensei depois de ouvir um trem desses. Afundei-me na poltrona sem ter a menor noção do que fazer. Olhei para o Me. Kayan e meu eu perguntou para mim mesmo:

— “E especialista”! “O que tu vais fazer”?

Mandei esse chato, que de certa maneira sou eu mesmo, calar a boca (ele não tem boca, mas fala) e perguntei:

— Dr. Almaj Kayan! Trabalho com propriedade industrial, patentes, essas coisas, e não consigo entender o que esses acontecimentos todos têm a ver comigo.

Doutor não. Mestre — corrigiu-me. vou chegar a esse ponto — continuou explicando. Depois de muito estudar, consegui desenvolver um método matemático para determinar com precisão o tamanho das asas das fadas. Exatamente esse método que eu quero proteger, e tirou de dentro de uma pasta um alfarrábio cheio de cálculos.

Pois é caro leitor! Conclui que o sujeito tava dando cogumelo alucinógeno para as vacas e depois fumava a bosta seca. Mas graças à longa experiência desse humilde narrador, o que o Me. Kayan buscava era proteger um método matemático. “Estou salvo”! — foi o que pensei e fui logo explicando para ele:

Me. Kayan! A nossa legislação de propriedade industrial não admite proteção para métodos matemáticos, de comércio e essas coisas, artigo 10, ta no livro.

Não!?

Senti toda a frustração desse não, mas para mim era uma tábua de salvação e uma maneira de eu escapulir dessa doideira toda.

Pois é! — disse. Não temos como fazer uma patente desse seu trabalho.

Mesmo assim, deixe-me explicar bem o meu trabalho — continuou Me. Kayan orgulhoso, abrindo o manuscrito e me mostrando todos os seus cálculos.

Eu fiz matemática na faculdade, mas o que o homem tinha feito era de causar admiração em qualquer professor de cálculo. Não entendi porcaria nenhuma. O Me. tinha calculado com precisão que uma fada de 15 cm de altura tinha que ter asas de 7 cm para poder voar. Olhei para aquele monte de números e menti deslavadamente que concordava com ele. Sabe com é: louco é melhor não contrariar.

— Interessante o seu trabalho seu Kayan, mas não posso fazer nada. Aliás, tenho outra reunião agora. estou atrasado.

— Fica mais um pouco engenheiro — ponderou meu anfitrião. Quero lhe mostrar um trabalho sobre velocidade de vôo delas.

Pena! Não vai dar. Tenho de ir. É a outra reunião. Fica para a próxima vez.

Saí dali a passos rápidos. Depois de uma olhadela para trás, pus-me a correr com medo de que o homem me seguisse. Sei .

P.S.

Para maiores esclarecimentos sobre epifanias peritanáticas consultar “O Cérebro de Broca” – Carl Sagan.

* * *

segunda-feira, 31 de maio de 2010

DESCARTÉVEL

É descartável!

— É que se faz patente? — perguntou o homem enfaticamente.

— Se o senhor esta se referindo à proteção de produtos, sim — respondi à pergunta.

Então preciso que alguém do escritório venha até aqui fazer uma visita — disse o sujeito.

Apesar do clima estar mudando, por conta do tal aquecimento global, no sul ainda faz inverno dos brabos. Era um daqueles dias, no dizer do gaúcho, de renguear cusco, frio mesmo. O vento soprava “fininho”, de cortar até os mais valentes. Num dia desses é ruim ter de sair para a rua, mas: fazer o quê. O sujeito não podia me dizer o que era. Queria me mostrar pessoalmente sua invenção.

— O senhor fuma? — perguntou-me.

Nunca fumei.

— Faz muito bem.

Apesar de todas as campanhas contra o fumo, o número de fumantes é muito grande — ponderou Gomes. As doenças provocadas pelo cigarro e assemelhados causam grandes prejuízos à saúde pública, retiram do mercado de trabalho homens e mulheres que adoecem por causa do fumo...

E se foi o Gomes discorrendo um rosário de coisas ruins que o fumo tem. E eu concordando e tentando entender o que essa matéria batida tinha a ver com a invenção dele.

— E a sujeira que causa o cigarro — continuava — tem as baganas, a cinza.

Ofereceu-me café. Aceitei. E continuou a falar mal do cigarro.

— A fumaça, o cheiro ruim que fica. E quando botam as baganas no lixinho da cozinha. No dia seguintevontade de botar o lixinho fora. Nos restaurantes, aqueles cinzeiros nojentos, nos hotéis etc.

Pelo que estou entendendo, você é um grande adversário do cigarro. foi fumante? — perguntei.

Durante muitos anos — respondeu.

Normalmente — ponderei com ele — os ex-fumantes são muito menos tolerantes com o cigarro do que quem nunca fumou.

E Gomes continuou a falar mal do cigarro e dos fumantes que não param.

— Está bem Gomes — resolvi atalhar a conversa, pois até esse ponto eu não tinha nenhuma idéia do que ele tinha inventado. E estava ficando pra de chata essa conversa toda. — Diga o que você inventou?

Um cinzeiro!

Fazia um tempão que eu estava ouvindo essa lengalenga. O lugar onde estávamos conversando era um depósito de bebidas. Era meio aberto, não tinha como se esquentar. O vento zanzava de um lado ao outro. Eu estava gelado e o cara tinha inventado um cinzeiro.

Como assim!

Tive vontade de me levantar e ir embora para casa me esquentar, mas, que estava ali:

Um cinzeiro? — perguntei.

— É! Um cinzeiro — disse Gomes com ênfase. Mas não é um cinzeiro comum.

Que não é um cinzeiro comum eu posso deduzir, pois caso contrário você não teria me chamado — concordei com o homem. E o que ele tem de especial? — perguntei.

— É um cinzeiro que acompanha a carteira de cigarros.

Além do frio de lascar, comecei a sentir os “arrepios da morte”, pois com uma resposta dessas...

Não entendi!

— A ideia é genial — continuou Gomes. Quando alguém compra uma carteira de cigarros vem junto um cinzeiro. Quando ele fuma em um lugar que não tem cinzeiro convencional, o fumante usa o cinzeiro descartável e joga-o fora juntamente com o cigarro.

Mas não vai ficar muito caro um maço de cigarros, mais o preço de um cinzeiro?

Que nada! — respondeu Gomes, o cinzeiro e de papel dobrado e vem enfiado dentro da carteira.

Se eu pudesse ver a minha cara.

Como assim?

— É um funil de papel dobrado e enfiado na lateral da carteira.

Tive vontade de sair gritando.

Você quer patentear um papel dobrado dentro de uma carteira de cigarros?

— É!

Pior de tudo é o café que estava frio e muito doce.

* * *

quinta-feira, 27 de maio de 2010

A PORTA II - O RETORNO

A porta: o retorno

Não tinha me recuperado ainda da patente da porta para banco, quando seu Antenor me telefonou.

Preciso conversar com o senhor, pois tenho outra invenção — disse o homem de modo seco, como era seu costume.

Ele morava no interior e vinha à capital somente para conversar comigo. Tentei convencê-lo a me adiantar do que se tratava, mas Antenor queria me ver. Não adiantava dissuadi-lo, pois o assunto era da mais alta gravidade. De certa maneira, gravidade tinha tudo a ver com o assunto.

— Está bem! Quando o senhor pode vir — disse para ele.

estou na rodoviária! — sentenciou seu Antenor. — Daqui a pouco estou .

Pensei em fugir, mas não seria educado e, além disso, o homem rasgava uma lista telefônica com as mãos, cheirava o fogo e botou para correr uma onça no berro. Ponderei isso e achei melhor recebê-lo.

— Cometi um engano — ponderou Antenor, logo que entrou no escritório.

— “Fazer essa invenção maluca” — pensei eu, mas disse calmamente:

— O senhor podia ser mais claro? — indaguei e fiquei na espera.

— Ocorreu-me uma situação que eu não tinha previsto — disse Antenor.

Que tipo de situação o senhor está se referindo? — perguntei.

Infelizmente, a essa altura eu estava curioso para descobrir qual seria essa outra invenção.

Um bandido que tenha entrado na agência bancária, onde uma das minhas portas está instalada, sabe da existência do alçapão embaixo dela — comentou o inventor.

Sim! E daí que o assaltante saiba da existência dessa armadilha, mais um motivo para não levar o assalto adiante — conclui.

Mas ele pode evitar cair no alçapão.

Como assim? — perguntei.

Seu Antenor foi logo me explicando a situação que ele tinha previsto:

— O bandido entra na agência pela porta giratória. Aciona o alarme e a porta tranca. Se o assaltante se negar a esvaziar os bolsos e, conseqüentemente, tiver de entregar a arma, sabe que o guarda vai abrir o alçapão e ele acabará por cair nele.

— Ah! E ?

— O vagabundo leva um pedaço de madeira e, antes do guarda abrir o alçapão, coloca a madeira sobre a abertura no chão. Assim, vai ficar suspenso no buraco sem cair nele.

Não acreditava em meus ouvidos, mas:

Seu Antenor, como é que alguém vai entrar numa agência bancária com um pedaço de pão na mão. Ele nem passa da porta — comentei.

Ele pode levar escondido no casaco — falou seu Antenor com a reposta pronta na língua.

Vi que não ia adiantar nada. Perguntei então:

— E qual seria a solução para esse problema?

Quando o guarda ver que o bandido está suspenso sobre o alçapão, entra em ação a outra parte da minha invenção.

Qual é essa outra parte seu Antenor? — indaguei muito curioso.

Junto à porta giratória tem uma abertura queacesso à parte onde está preso o ladrão sobre o alçapão. O guarda usa um garfo de metal para empurrar o bandido para dentro do buraco.

Não entendi! Com assim, um garfo?

— É, tem um garfo, como aqueles de mexer com feno. Aqueles de três dentes. O guarda usa-o para empurrar o bandido miserável para dentro da cela.

Juro que o homem me disse um troço desses. Somente Dante Alighieri na sua visão do inferno pensou numa tortura dessas. O guarda com um olhar de safado garfando o meliante pelas costas. O vagabundo cai no buraco empurrado pelo garfo.

Mas, mas, seu Antenor! Que doideira é essa. Não tem cabimento fazer isso.

Como que não! — exclamou o inventor com ar de interrogação. — O cara é bandido mesmo, quem é que vai se importar se ele se estrepar.

A essa altura eu estava sem ação. Não sabia nem o que dizer para o homem.

— Nenhuma agência bancária vai instalar uma porta com um sistema de tortura seu Antenor — ainda tentei ponderar com ele.

Quanto a isso você não se preocupe que eu dou um jeito. Conheço um pessoal dos bancos que vão me ajudar. O que eu quero saber é se tem alguma proibição em fazer à patente? — perguntou o inventor.

Bem! Não, quer dizer: não sei! Vou ter de estudar o caso.

— Verifica isso para mim! — exclamou ele — e vamos fazer à patente.

* * *